terça-feira, fevereiro 25, 2014

O fracasso do socialismo de cátedra

Sem a contribuição da polícia com sua repressão, os socialistas de cátedra e mentores da violência só irão figurar nos noticiários sensacionalistas.
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Wanderley Guilherme dos Santos


Socialistas de cátedra e adeptos da violência não serão capazes de promover impasses institucionais. Faltam-lhes causa reconhecida e apoio da população. Obterão alguns traços eleitorais, talvez. Nem isso, caso a repressão não coopere com eles usando da mesma selvageria. Sem a contribuição da polícia os socialistas de cátedra e mentores da violência só irão figurar nos noticiários sensacionalistas. Fracassarão.

Impasses institucionais são corolários da adesão de grupos sociais dotados de preferências intensas, uns a favor, outros contrários a pautas específicas. A solução de conflitos de tal magnitude se dá por revolução, por golpe de estado ou por negociação. O Brasil passou por alguns impasses cujas soluções variaram.

Em 1930, o conflito intra-oligárquico foi resolvido por uma revolução, isto é, por um movimento que, no poder, transformou extensamente as instituições do País. Foi com um golpe doméstico consentido que, em 1945, removeu-se uma esquizofrênica ditadura nacional já que vitoriosa em guerra internacional contra as anti-democracias nazista e fascista. Não obstante os tremores de 1954, o suicídio de Getulio Vargas alterou drasticamente a estrutura do jogo, adiando o impasse, finalmente provocado pela renúncia de Janio Quadros: setores militares e civis se opondo à posse de João Goulart contra os legalistas liderados pelo então governador do Rio Grande Sul, Leonel Brizola. O episódio foi parcialmente superado pela negociação em torno da adoção do parlamentarismo para voltar a explodir em 1964, com a polarização da política e a quase paralisia do governo. Desta vez, o resultado foi um golpe de Estado e a implantação da ditadura militar.

Por caminhos distintos, longevas ditaduras – a de Franco, na Espanha, a do Portugal salazarista e a brasileira - foram superadas por diferentes roteiros democráticos. Pactos formalmente firmados entre as oposições democráticas e o regime franquista obtiveram a aprovação popular (problemas de autonomias regionais à parte) e garantiram a rotação partidária no poder. Em Portugal, um golpe militar propiciou o surgimento da democracia representativa, caso bastante raro, pois, nessa trilha, o rotineiro é a substituição de uma ditadura por outra. Não tem sido diferente o infeliz destino da icônica primavera árabe.

No Brasil, frustrada a alternativa revolucionária a peso de muitas mortes, desaparecimentos e tortura, a negociação tornou-se inevitável. Naturalmente, radicais dentro e fora do Congresso denunciavam as tratativas de saída negociada do autoritarismo como traição, cooptação e outros adornos retóricos. É bem verdade, também, que muitos dos radicais andavam em busca de um general, almirante ou brigadeiro que depusesse a ditadura em vigor e lhes entregasse o poder. Comportamento mais do que farisaico, esplendidamente tolo.

Conforme o negociado e previsto, o desatar dos nós se fez por etapas: fim do AI-5, da censura, decretação de anistia e, em 1982, a primeira eleição realmente competitiva multipartidária, ainda que submetida a legislação coercitiva, para a Câmara dos Deputados. Concorreram cinco partidos: PDS (governista), PDT, PT, PTB e PMDB. Nenhum deles, à exceção do PDS, viu a participação eleitoral como recibo de adesão à boa vontade autoritária, sim como resultado de difícil processo de negociação, ameaças, idas e vindas e, em especial, a recusa de aceitar a proposta governamental (importada) de criação de um partido único com isolamento da minoria radical. Mais tarde vieram a luta pelas eleições diretas para presidente, batalha perdida, a criação da comissão de anistia, recompensando financeiramente dezenas de vítimas da ditadura, e, finalmente, já em condições de normalidade democrática, a Comissão da Verdade.

O tempo do processo não foi tão rápido quanto desejado, a anistia foi menos clara e incisiva quanto deveria e a Comissão da Verdade sofre críticas por seus ritos e absolvições. Mas a crítica só existe porque existe o fato. Nenhum ator responsável deixou de se aproveitar das aberturas que iam surgindo e muitos dos radicais no e fora do Congresso que denunciaram os negociações como colaboracionistas correram a se beneficiar das polpudas compensações financeiras postas a disposição. Mas há quem não tenha reivindicado receber, com juros e correção monetária, dezoito anos de salários não pagos, a partir da aposentadoria decretada na última lista do marechal Castelo Branco, em outubro de 1964.


Apesar dos discursos auto-laudatórios, o restabelecimento da democracia no Brasil não resultou da dramaticidade performática radical. À falta de um processo revolucionário, e recusando a tentação de um “golpe democrático”, foram os moderados que negociaram o desatar do nó autoritário. É esta mesma moderação, e chamo de moderação a tudo que não é convocatória à violência, que impedirá um impasse institucional orquestrado com intimidação e insultos pelos whiteblocs contemporâneos. O governo do Brasil é democrático e assim continuará.

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