sábado, agosto 18, 2012

Ah, os “progressistas”...



18/8/2012, Luis Casado, La Izquierda/La Pluma, Agencia APP, Red de Prensa No Alineada
http://www.es.lapluma.net/index.php?option=com_content&view=article&id=3972:ah-los-progresistas&catid=94:mundo&Itemid=427

Cada um celebra os aniversários que possa, e aí estão os alemães ‘festejando’ os dez anos das “Leis Hartz” (não confundir com Herzcoração, em alemão –, porque, de coração, Herr Hartz pouco tinha).

Hartz, DRH, como se diz agora – Diretor de Recursos Humanos – da Volkswagen, para ver-se logo do que se trata, propôs a Gerhard Schröder, então Chanceler socialdemocrata, uma série de reformas destinadas a flexibilizar o mercado de trabalho, importante objetivo que também designam como “cagar nos trabalhadores”. Suas propostas foram rapidamente aceitas e adotadas, o que provocou a demissão do ministro das Finanças Oskar Lafontaine e o racha no Partido da Social-democracia Alemã (PSDA).

As Leis Hartz constituem hoje o óleo de rícino que a Alemanha tenta meter goela abaixo dos países do sul da Europa, – como se fossem objeto de uma espécie de Anschluss [conexão], para que recuperem a “competitividade”.

Schröder, que chegou ao poder em 1998, rompeu em 1999 com o projeto keynesiano do Partido da Social-democracia Alemã (PSDA) [é o ‘PSDB’, só que alemão] (dividir o bolo) e impôs medidas ‘liberais’, como único caminho que levaria ao nirvana. Com Tony Blair – “meu maior êxito”, como dizia Margaret Thatcher –, Schröder tentou teorizar essa conversão ao neoliberalismo, sob o título pouco imaginativo de “Terceira Via”.

Das leis inspiradas pelo DRH da Volkswagen, a mais famosa é a lei “Hartz IV”, que reformou o seguro-desemprego, em detrimento dos assalariados. Já mostrei em várias ocasiões, que, para os neoliberais, o estímulo mais eficiente para a laboriosidade e a produtividade dos desempregados é a fome: aí estão eles, de volta. Trata-se exatamente disso.

Ao liberalizar o mercado de trabalho alemão, Schröder abriu a porta para que os patrões pagassem salários de 400 euros mensais (239 mil pesos), ou 1 euro/dia aos precarizados. Também se favoreceu o trabalho em tempo parcial e o emprego “flexibilizado”. A Lei Hartz IV reduziu a indenização por demissão a apenas um ano, sem considerar os anos de contribuição. Ao fim de um ano de desemprego, todos os desempregados entram na categoria Arbeitlosengeld II (indenização por demissão II), na qual recebem 374 euros mensais (223 mil pesos). Daí em diante, o desempregado Hartz IV fica submetido a controle permanente sobre sua vida e sua atividade de procurar emprego. Antes de receber sua indenização – para a qual contribuiu de seu bolso –, tem de ter consumido a maior parte de suas economias. E tem de aceitar qualquer emprego que lhe seja proposto pela agência de trabalho, inclusive com salário de 1 euro/hora, tendo retida uma parte de sua pobre indenização.

Como era de esperar, ser “Hartz IV” converteu-se numa modalidade de miséria, sob outro nome. Todos tentaram escapar dessa qualificação, o que dinamizou o mercado de trabalho a favor do emprego precário, que cresceu fortemente. Um dos efeitos mais notáveis das leis Hartz foi a queda do custo da mão de obra para as empresas: salário mínimo=lucro máximo – outro modo de interpretar a tal almejada “competitividade”.

Outra consequência está relacionada à queda do consumo e, portanto, à melhoria da balança comercial alemã, em detrimento de seus sócios comerciais da União Europeia. Mas até os partidários das Leis Hartz reconhecem que, a partir de 2005, só o crescimento mundial sustentou a economia alemã. Os produtos alemães mantiveram-se com preços razoáveis, à custa de se apertar o cinto dos trabalhadores alemães. A demanda interna continuou fraca até 2011 e ainda não consegue sustentar o crescimento da economia alemã.

Curiosamente, quando as contas alemãs estavam no vermelho, em 2005, Gerhard Schröder negociou com Jacques Chirac a suspensão das sanções previstas no Tratado de Maastricht – as mesmas que, hoje, Angela Merkel aplica com tanto rigor a Grécia e Espanha.

Antes de deixar a Chancelaria alemã, Gerhard Schröder cuidou, sobretudo, do próprio futuro: facilitou uns créditos para o conglomerado russo GazProm, que lhe devolveu a cortesia e nomeou-o para uma de suas suculentas gerências. Tony Blair, seu amigo de “Terceira Via”, ‘aceitou um serviço de assessoria a bancos norte-americanos, pela qual recebe um milhão de dólares/ano. Vê-se que, sim, a social-democracia cuida bem dos trabalhadores...

Outra consequência não desprezível tem a ver com o redesenho da estrutura política: a esquerda do PSDA e um grupo de militantes sindicais aliaram-se a ex-comunistas da Alemanha Oriental e formaram Die Linke [“A Esquerda”]. O PSDA, doente até hoje, infectado pelas Leis Hartz, obteve 23% dos votos em 2009 – 19 pontos a menos que em 1998 – o menor número de votos do pós-guerra. Os eleitores de esquerda preferem ou Die Linke, ou os Verdes. Os centristas – inércia natural? – apoiam Merkel, quer dizer, a direita. Como diz a imprensa europeia, Gerhard Schröder foi o coveiro das ambições do PSDA.

Entretanto, os efeitos das Leis Hartz permanecem: salários baixos, infância na miséria, aumento das desigualdades. A tal ponto, que a direita alemã reconheceu, há pouco tempo, a importância do salário mínimo para todos os ramos da indústria, e também para o trabalho temporário e, isso, enquanto a Corte de Karlsruhe já obrigou o governo a recalcular o montante das indenizações por número de filhos.

Ninguém por aqui inventou coisa alguma. No Chile, as Leis Hartz chamam-se “Leis da Concertação”. E Merkel, à chilena, chama-se “Piñera”.