sábado, setembro 24, 2011

Tragédia americana


Para ler ao som de Gilad Atzmon e Nizaral-Issa, “Culturas da Resistência”, 2007http://www.youtube.com/watch?v=wNJQ5PbLD60


O repórter Yitzhak Ben-Horin de Ynet, em Washington, produziu ontem leitura clara e sucinta do recente discurso de Obama à Assembléia Geral da ONU:

“Um Likudnic
[1] na Casa Branca.” / “Netanyahu não teria escrito melhor.” / “Obama hoje, está alinhado com o partido Likud.” / “Obama é presidente pró-Israel (...) Desde janeiro de 2009, ofereceu a Israel tudo de que Israel precisou no campo diplomático e em termos de segurança”.[2]

Obama vai mal nas pesquisas. Claramente precisa ter o Lobby Judeu ao seu lado. Ontem, o presidente dos EUA ‘entregou’; e o lobby reagiu rapidamente – “Israel não tem melhor amigo no mundo, hoje [que Obama]”, escreveu o presidente do Conselho Nacional dos Judeus Democratas [ing. National Council of Jewish Democrats], David Harris.

Segundo Ynet, horas antes do discurso à Assembleia Geral da ONU Obama tomou providências para que eleitores judeus prestassem atenção ao que diria lá.

“Três assessores de Obama organizaram reunião com apoiadores do presidente e líderes da comunidade judaica. Os assessores, todos judeus, pediram aos apoiadores que “divulgassem a palavra” de que Obama faria discurso pró-Israel, que “manifesta suas posições mais sinceras e genuínas” e “implorou que todos prestassem muita atenção ao discurso do presidente.”

Os três assessores judeus “destacaram que os Republicanos distorceram intencionalmente as palavras de Obama, para mostrá-lo como presidente anti-Israel, sem, de fato, qualquer argumento que confirme as palavras dos Republicanos.”

Se ainda havia alguém idiota o bastante para crer que os EUA poderiam algum dia ajudar a construir alguma paz no Oriente Médio, a verdade, agora, apareceu, à vista, inegável. O mundo político nos EUA está evidentemente sequestrado por um lobby estrangeiro, que representa interesses estrangeiros. Os EUA não conseguirão salvar-se, sozinhos, desse sequestro. O que vemos hoje, frente aos nossos olhos, é, basicamente, uma tragédia.

A tragédia grega sempre mostra a queda de um herói nobre, que cai, quase sempre, por uma combinação de húbris, destino e a vontade dos deuses. A tragédia dos EUA contém os mesmos elementos. Os EUA sempre se viram eles mesmos como ‘herói nobre’ desde a fundação da nação, e a húbris não é estranha à cultura norte-americana. O destino dos EUA está escrito na parede já há algum tempo. E, sobre deuses, alguém adivinha de que deuses se trata? Acho que Obama e seu partido acreditam que conheçam muito bem os que tentavam acalmar, ontem à noite. Acham que conhecem muito bem os deuses deles, porque vergonhosamente se misturam, o presidente e aquelas pessoas, uma vez por ano, na reunião anual do AIPAC [American-Israel Public Affairs Comittee].

Mas é possível que Obama e seus ‘assessores’ estejam errados, nesse ponto. Os ‘deuses’ deles não são absolutamente estúpidos, e já entenderam o que Obama está tentando arquitetar, como escreveu Ben Horin ontem. Eles sabem o que ‘segundo mandato de Obama’ significa para Israel, em termos de política. Lembram, por exemplo, que na campanha eleitoral em 2000, George Bush prometeu transferir a embaixada dos EUA, de Telavive para Jerusalém; mas, quando foi reeleito, pressionou Sharon a retirar-se da Faixa de Gaza. Lembram também que o mesmo George Bush foi o presidente que apareceu ao lado de Mahamoud Abbas (Abu Mazen) e declarou que as negociações com os palestinos deveriam considerar a fronteira do armistício de 49.

Obama ilude-se, se supõe que tenha conseguido seduzir os ‘deuses’, e que eles agora estariam ao seu lado.

Ontem Obama cometeu grave erro pessoal. Mas pelo qual pagarão os norte-americanos, os israelenses e os palestinos. O que se vê aí é uma tragédia clássica, porque os EUA não têm poder político para salvarem-se, eles mesmos, dessa sua própria tragédia.

A única questão que talvez ainda interesse, nesse ponto da história, é quanto tempo os EUA demorarão para conseguir emancipar-se desses ‘deuses’.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++





[1] Do partido Likud (“União”, em hebraico), israelense, da direita conservadora; é uma coligação liderada pelo partido Herut dos sionistas conservadores. O Likud lidera o governo hoje em Israel, tendo como primeiro-ministro Benjamin Netanyahu; o partido tem 27 cadeiras no Parlamento, numa coligação que conta com 66 votos [NTs, com informações de http://pt.wikipedia.org/wiki/Likud].
[2] 19/9/2011, em http://www.ynetnews.com/articles/0,7340,L-4124518,00.html

+++


Assalto à mão armada em Trípoli
Manlio Dinucci, Il Manifesto, 29/7/2011 – http://www.voltairenet.org/Goldman-Sachs-Tripolirip
Trad. para o português, de David Lopes, Rede Voltaire –
http://www.voltairenet.org/Assalto-a-mao-armada-em-Tripoli
Trad. revista, para o português do Brasil, pelo Coletivo de Tradutores Vila Vudu
* 'Dica' do Eliseu, que nos acompanha, da Itália *
____________________________________________________


O que você faria se um banco, no qual tivesse depositado 100 mil euros para que rendessem, lhe comunicasse que, em um ano, o seu depósito foi reduzido a menos de 2 mil euros?
Foi o que aconteceu na Líbia, segundo matéria publicada no Wall Street Journal [1]. Depois de EUA e União Europeia terem levantado o embargo em 2004, afluíram para a Líbia dezenas de bancos e instituições financeiras estadunidenses e europeias. Dentre as quais o banco Goldman Sachs, dos maiores bancos de investimentos do mundo, com sede em New York. No primeiro semestre de 2008, as autoridades líbias confiaram àquele banco 1,3 bilhão de dólares em fundos soberanos (capital que o Estado investe no estrangeiro). O banco Goldman Sachs investiu aqueles fundos em seis empresas: Citigroup Inc. dos EUA, o banco italiano Unicredit, o banco espanhol Santander, a companhia de seguros alemã Allianz, a fornecedora de energia francesa Électricité de France e a italiana ENI. Um ano depois, o banco Goldman Sachs comunicou às autoridades líbias que, por causa da crise financeira, os fundos líbios valiam então 2% do valor inicial: 1,3 bilhão de dólares estavam reduzidos a 25 milhões de dólares. Furiosos, a autoridade líbia responsável pela transação chamou a Trípoli o gerente do banco Goldman Sachs – Norte de África. O encontro foi turbulento e resultou na rápida evacuação dos empregados do banco, forçados a deixar Tripoli antes de que fossem presos. Visto que a Líbia ameaçava intentar um processo judicial, o que comprometeria fatalmente a reputação do banco aos olhos dos investidores, Goldman Sachs ofereceu à Líbia indenização, a ser paga em ações do próprio banco. Os líbios, justamente desconfiados, não aceitaram. E a possibilidade de o Estado líbio processar o banco Goldman Sachs não foi eliminada.

Vários casos semelhantes, de “má administração do capital líbio” foram trazidos à tona, em relatório publicado pelo New York Times [2]. Por exemplo, a empresa Permal – unidade de Legg Mason, uma das principais empresas de gestão de investimentos dos EUA, com sede em Baltimore – administrou 300 milhões de dólares em fundos soberanos líbios, os quais, entre janeiro de 2009 e setembro de 2010, perderam 40% do valor. Mas a Permal resgatou 27 milhões de dólares para cobrir custos de administração dos fundos líbios. O mesmo aconteceu com bancos e instituições financeiras, como a holandesa Palldyne, a francesa BNP Paribas, a britânica HSBC e o Crédit Suisse.

As autoridades líbias ameaçaram processar judicialmente e internacionalmente todas essas empresas, o que implicaria grave dano à reputação desses e de outros ‘prestigiosos’ organismos financeiros.

Afinal, tudo se resolveu sem tumultos quando, em fevereiro de 2011, os EUA e a União Europeia “congelaram” o fundo soberano líbio. A supervisão dos fundos “congelados” foi confiada aos mesmos bancos e instituições financeiras que tão bem os haviam gerido até então.
Do roubo, passou-se ao assalto à mão armada, quando a guerra contra a Líbia começou, em março. Protegidos pelas bombas da OTAN, o banco HSBC e outros bancos de investimento chegaram a Benghazi para criar o novo Banco Central da Líbia – medida que lhes permitirá gerir os fundos soberanos líbios “congelados” e toda a riqueza gerada pela exploração de petróleo líbio. Ninguém duvida que, dessa vez, os rendimentos serão excepcionalmente fartos.

NOTAS
[1] “Libya’s Goldman Dalliance Ends in Losses, Acrimony”, Magaret Coker, Liz Rappaport, Wall Street Journal, 31/5/2011.
[2] “Western Funds Are Said to Have Managed Libyan Money Poorly”, David Rohde, The New York Times, 30/6/2011.