quinta-feira, fevereiro 03, 2011

O mínimo que se esperava dele (Mubarak) era renúncia

Escritor brasileiro narra 'dia mais tenso' dos protestos no Egito

Mamede Jarouche narra frustração da população local com “papo furado” de Mubarak de que deixará o poder após as eleições
Publicado em 02/02/2011, 18:35
Última atualização em 03/02/2011, 17:25
Escritor brasileiro narra 'dia mais tenso' dos protestos no Egito
Estrangeiros têm dificuldades para deixar o país; Mamede Jarouche conta como está o clima em Cairo (Foto: Supri/Reuters)
São Paulo – O escritor brasileiro Mamede Jarouche conta que esta quarta-feira (2) foi o dia mais tenso desde que começaram as mobilizações populares no Egito. A ação violenta de manifestantes favoráveis ao ditador Hosni Mubarak pela manhã e a presença de policiais hostis nas ruas fez pesar o clima na capital Cairo.
Responsável pela primeira tradução ao português, diretamente do árabe, do Livro das mil e uma noites, ele chegou ao Egito no dia 22 de janeiro, véspera do início dos protestos contra Mubarak. Desde então, o movimento cresceu e culminou, na terça-feira (1º), em atos que reuniram centenas de milhares de pessoas em todo o país.
A afirmação do ditador de que vai deixar o poder após as eleições de setembro criou um clima de frustração entre a população, que esperava a renúncia imediata, conta Jarouche em entrevista por telefone à Rede Brasil Atual. Por outro lado, não é total a confiança em torno do líder oposicionista Mohammed ElBaradei, que se ofereceu para conduzir o país até a escolha de um novo presidente.
Com o clima tenso desta quarta, o escritor preferiu não deixar o apartamento em que está, no oitavo andar de um prédio em que o elevador quebrou há alguns dias, e passou o dia sem se alimentar. Mesmo que quisesse correr o risco de ir à rua, conta, dificilmente encontraria algo aberto, já que a maior parte das pessoas preferiu não se expor.
Rede Brasil Atual - Como está o clima?
Mamede Jarouche - Hoje (quarta-feira 2), do meu ponto de vista, foi o pior dia. Ontem (terça-feira 1º), as coisas estavam relativamente tranquilas. Tinha mais coisas abertas. Hoje, a polícia está aí para reprimir, está horrível.
Ontem, acompanhei o pronunciamento do presidente sem nenhum problema, num café. Claro que o pronunciamento em si causou revolta porque se esperava a renúncia do presidente. Mas hoje é mais tenso, teve enfrentamento de manhã, estão agredindo os garotos que organizam as manifestações com esse pessoal contratado pelo governo, entrou em ação a cavalaria, ou melhor, a camelaria, é uma coisa horrorosa.
RBA - O discurso de ontem, então, frustrou expectativas?
Mamede Jarouche - Totalmente. O mínimo que se esperava dele (Mubarak) era renúncia. Tinha gente que gostaria que ele se matasse em pleno ar. Essa história de ficar no poder até setembro é papo furado, se acalmar a coisa ele volta a planejar a continuidade.
RBA - O que o senhor acha que motivou essa onda de movimentações populares?
Mamede Jarouche - A situação social e econômica está em degradação contínua. Venho ao país há dez anos e só vejo as coisas caminhando para trás. Por mais passivo e pacífico que seja o povo do Egito, chega uma hora em que se precisa ter reação. É isso que as pessoas estão tentando fazer. A reivindicação básica é democracia: alternância de poder, um parlamento livre e democraticamente eleito.
RBA - A mediação de ElBaradei é aceita pela população?
Mamede Jarouche - Não por todo mundo. Ele não é essa unanimidade toda. Tem muita gente que não aceita a liderança dele, que acha que outros fariam melhor, mas é um interlocutor. Ontem, foi contatado pela embaixada dos Estados Unidos e, hipocritamente, foi explorado pelos canais de televisão do governo com a intenção de mostrar as relações dele, como se os Estados Unidos não estivessem o tempo todo mandando em Mubarak.
RBA - Como os egípcios veem a interferência dos Estados Unidos na vida política?
Mamede Jarouche - Com hostilidade. E com inconformismo ao mesmo tempo. É aquela coisa, certos cálices a gente bebe com desgosto.
RBA - De toda maneira, apesar da tensão, é um momento de renovação de esperanças?
Mamede Jarouche - Acho que é um momento de esperança, sim, mas também há muito medo, frustração. Imagine só. Eu, que sou estrangeiro, ontem, me senti extremamente frustrado e abatido com o discurso de Mubarak. Aquilo me abateu. Esperava que ele renunciasse. Claro que isso leva a uma revolta muito grande.

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