segunda-feira, janeiro 31, 2011

DITADURA EUA

Efeito Egito - Mídia americana começa a falar da censura local a Al Jazeera

10:39O Toda Midia registra - Começa com Jeff Jarvis, do BuzzMachine - "Notícias vitais, que mudam o mundo, estao ocorrendo no Oriente Médio e ninguém - nao a mídia americana xenofóbica e obcecada por celebridades - consegue dar a perspectiva, o insight e o retrato local que a Al Jazeera dá. Mas nos EUA quase ninguém pode assistir (.....)". Pouco depois, no alto da home do Huffington Post, Ryan Grim escreveu sobre o "blecaute da Al Jazeera nos EUA" - "Fora alguns bolsoes nos EUA - Ohio, Vermont, Washington - as operadoras de cabo nao permitem aos espectadores a escolha de assistir a Al Jazeera. Essa censura corporativa acontece ao mesmo tempo em que o Egito tenta bloquear as transmissoes (.....)". Ecoou a ativista Naomi Klein - Quando o Egito corta a Al Jazeera, é censura. Quando as operadoras de cabo se recusam a transmitir, é "just business", só negócio". E chegou ao New York Times - "Al Jazeera fora do ar egípcio e americano". Siga Editores-do-Blue-Bus. 31/01 Blue Bus
http://www.bluebus.com.br/show/1/101468/efeito_egito_midia_americana_comeca_a_falar_da_censura_local_a_al_jazeera

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Fúria, fúria, contra a contrarrevolução
1/2/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MB01Ak02.html

Fúria, fúria, contra a morte da luz.
- Dylan Thomas

Islamófobos de todo o mundo calem o bico e ouçam o som do poder do povo. A dicotomia artificial que inventaram para o Oriente Médio – ou a ditadura de vocês ou o jihadismo – jamais passou de truque barato. Repressão política, desemprego em massa e comida cara são mais letais que um exército de homens-bomba. Assim se escreve a história real; um país de 80 milhões – dois milhões dos quais nascidos depois de o ditador de hoje ter chegado ao poder em 1981, e nada menos que o coração do mundo árabe – põe afinal abaixo o Muro do Medo e passa para o lado do autorrespeito.

O neofaraó egípcio Hosni Mubarak ordenou toque de recolher; ninguém arredou pé das ruas. A polícia atacou; os cidadãos organizaram a própria segurança. Chegaram os tanques; a multidão continuou a cantar “de mãos dadas, o exército e o povo são aliados”. Nada de revolução colorida parida em think-tanks, nada de islâmicos em ordem unida; são egípcios médios, carregando a bandeira nacional, “juntos, como indivíduos num grande esforço cooperativo para exigir de volta o país que nos pertence” – nas palavras do romancista egípcio e Prêmio Nobel Ahdaf Soueif.

E então, inevitável como a morte, a contrarrevolução levantou a cabeçorra armada. Jatos bombardeiros made in USA e helicópteros militares atacaram “bravamente” em voos rasantes as multidões na Praça Tahrir [Praça Liberdade] (retrato do governo de Mubarak como exército de ocupação no Egito; e imaginem o ultraje do ocidente, se o ataque acontecesse em Teerã). Comandantes militares falando sem parar pela televisão estatal. Ameaça de que tanques de fabricação norte-americana tomariam as ruas – conduzidos por soldados de batalhões de elite – para o ataque final (embora os próprios soldados dissessem a jornalistas da rede al-Jazeera que em nenhum caso disparariam contra a multidão). Para coroar, a “subversiva” rede al-Jazeera foi repentinamente cortada do ar.

Diga alô ao meu suave torturador...

A Intifada egípcia – dentre outros múltiplos significados – já reduziu a cacos a propaganda inventada no ocidente, de que “árabes são terroristas”. Agora, as mentes afinal descolonizadas, os árabes inspiram o mundo inteiro, ensinam ao ocidente como se faz mudança democrática. E adivinhem só! Ninguém precisou de “choque e horror”, rendições, tortura e trilhões de dólares do Pentágono para que a coisa funcionasse! Não surpreende que Washington, Telavive, Riad, Londres e Paris, todas, nem suspeitaram do que estava a caminho.

Hoje somos todos egípcios. O vírus latino-americano – bye-bye ditaduras e neoliberalismo arrogante, caolho, míope – contaminou o Oriente Médio. Primeiro a Tunísia. Agora o Egito. Depois o Iêmen e possivelmente a Jordânia. Logo a Casa de Saud (não surpreende que culpem os egípcios pelos “tumultos”). Mas o terremoto político do norte da África, na Tunísia, em 2011 também colheu a faísca dos movimentos de massa na Europa em 2010 – Grécia, Itália, França, Reino Unido. Fúria, fúria contra a repressão política, contras as ditaduras, contra a brutalidade da Polícia, contra os preços da comida, contra a inflação, contra empregos miseráveis, contra o desemprego
em massa.

Faraó 2011 parece remix de Xá do Irã 1979. Claro, não há aiatolá Ruhollah Khomeini para liderar as massas egípcias, e o ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, o egípcio Mohamed ElBaradei, está sendo acusado por alguns, nas ruas, de “assaltar nossa revolução”. Mas é difícil não lembrar que o Xá do Irã está enterrado no Cairo, porque os iranianos não permitiram que fosse enterrado na terra-mãe.

O Faraó reagiu à Intifada nomeando para a vice-presidência seu czar “suave” da inteligência, Omar Suleiman (o primeiro vice-presidente, desde que o Faraó assumiu o poder em 1981), e virtual sucessor. Suleiman é sinistro suave especialista em rendição, no qual a CIA confia e que supervisionou número incontável de sessões de tortura de ditos “terroristas” em território egípcio; senhor, que fala inglês, de sua Guantánamo árabe. Em Washington, o establishment gostou muito.

Mas os imperialistas que anotem bem: a última vez que as ruas egípcias levantaram-se como levantaram-se hoje, foi em 1919, durante a revolução contra os britânicos. Agora, para muçulmanos e cristãos, operários, classe média, massas desempregadas, advogados, juízes, professores e doutores da Universidade al-Azhar, alunos, camponeses, teólogos, jornalistas e blogueiros independentes, ativistas da Irmandade Muçulmana, Associação Nacional para a Mudança, Movimento 16 de abril, para todos esses, os dias de Mubarak de Revolução dos Bichos estão contados.

Cinco movimentos de oposição – inclusive a Fraternidade Muçulmana – autorizaram ElBaradei a negociar a formação de um “governo de salvação nacional” de transição. Aposta-se que o Faraó nada ou quase nada negociará. Para aumentar a complexidade o núcleo da geração de jovens ativistas crê muito mais em “comitês populares” que em ElBaradei.

É verdade que, no que tenha a ver com as próximas eleições em setembro, Mubarak, 82, está morto. O filho, Gamal, 47, idem. Relatos não confirmados dizem que, à moda típica dos filhos de ditadores, o filho já fugiu para Londres, usando seu passaporte britânico, com montanhas de bagagem, e estaria agora escondido na casa londrina da família,
em Knightsbridge.

O futuro crucial imediato depende do lado para o qual penderá o exército egípcio. No pé em que estão as coisas, ainda não está totalmente afastado uma alternativa Tiananmen – repressão linha duríssima. Seja como for, o poder de ação do governo é claro; pode acontecer até de o Faraó meter-se naquele avião – como cantam as ruas –, mas o regime, a ditadura militar, tem de ser mantida.

O general Hussein Tantawi, comandante em chefe do exército e ministro da Defesa, amigo que bebe o vinho e come a comida do Pentágono, do qual recebe 1,3 bilhão de dólares anuais a título de “ajuda” – voou de volta ao Cairo. Numa trilha paralela, o Faraó, jogando desesperadamente com os medos do ocidente sobre “estabilidade”, tentou desqualificar a Intifada como grupo de desordeiros e arruaceiros donos de terrenos nas favelas, que querem ver cada vez mais caos e destruição. Um grupo de blogueiros egípcios não tem dúvidas – a estratégia do Faraó é assustar as pessoas e empurrá-las de volta para dentro das casas, implorando por “segurança”.

Issander El Amrani, do blog The Arabist (
http://www.arabist.net/), destaca que “é difícil acreditar que Mubarak ainda esteja no poder, mas o núcleo duro do regime está usando meios extremos para salvar sua posição”. Nas ruas, todos suspeitam de um golpe orquestrado por Washington na cúpula do regime – EUA/Israel apostando tudo na fórmula “Mubarak talvez caia/mas sem mudança de regime”, com sauditas, israelenses e a mídia egípcia oficial mexendo todos os pauzinhos para desacreditar a revolução. Para analisar com algum distanciamento: nos EUA houve dois governos de Ronald Reagan, um de George H W Bush, dois de Bill Clinton, dois de George W Bush e um de Barack Obama. No Egito, sempre só houve Mubarak.

A classe média egípcia, empobrecida mas letrada e orgulhosa, e a os trabalhadores, nada querem além de um país regido por leis e com eleições transparentes. Como, então, acreditariam em Suleiman, torturador ligado à CIA, para conduzir a transição? Para nem falar de um Parlamento completamente controlado pelo inacreditavelmente corrupto Partido Nacional Democrático de Mubarak, cuja sede foi incendiada pelos manifestantes.
O passo do dissidente egípcio
No início de 2003, passei dois meses no Cairo e em Alexandria, à espera da invasão de Bush ao Iraque – convivendo quase exclusivamente com o oceano de rejeitados pelo sistema de Mubarak, de universitários formados a imigrantes sudaneses, inclusive representantes rejeitados dos 40% da população que vive com menos de 2 dólares por dia. Desnecessário dizer que todos viam Mubarak como poodle repulsivo de Washington – e todos estavam em choque ante a tragédia do Iraque, que o Egito reverencia historicamente como flanco leste da nação árabe. O regime, para eles, era do tipo que “afoga mendigos no Nilo”.

Foi elucidativo – e terrivelmente doloroso – conhecer em campo as consequências do regime de Mubarak, aplicado  regime pupilo do neoliberalismo aplicado pelos EUA. Consequências inevitáveis, a inflação alta e o enorme desemprego. A classe média urbana praticamente já desaparecera. A classe trabalhadora, sufocada na mão de ferro dos sindicatos. E a classe média rural – que foi base do regime – também em crise, com os jovem obrigados a imigrar para as cidades à procura de empregos (que não encontram). Sobrevivente, só uma pequena classe de comerciantes, corruptos, associados ao Estado (a maioria dos quais hoje já fugiu para Dubai em jatos privados).

Não surpreende pois que não se trate de uma revolução islâmica, como no Irã em 1979. É a economia, estúpido. O Islã hoje no Egito está dividido em duas correntes: salafitas não politizados e a Fraternidade Muçulmana – dizimada por décadas de repressão e tortura e, hoje, sem qualquer programa político explícito, além de oferecer serviços de assistência à população negligenciada pelo Estado.

O fato de a Fraternidade Muçulmana ter-se mantido nas coxias do movimento das ruas explica-se por dois fatores. Se se expusesse demais, Mubarak teria o pretexto perfeito para associar a revolução aos “terroristas”. Além disso, a Fraternidade avalia que, hoje, é apenas um ator entre vários.

Trata-se de movimento popular espontâneo que segue as pegadas do Kefaya (“Basta!”) – movimento popular “amarelo” (escolheu essa cor), de intelectuais e ativistas políticos, cujo slogan, já em 2004 era La lil-tamdid, La lil-tawrith (“Não a outro mandato, não queremos uma república hereditária”) [mais, sobre o movimento, em
http://en.wikipedia.org/wiki/Kefaya].

O movimento Kefaya, apesar de ser movimento de elite, sem liderança, não-ideológico, foi a faísca que despertou mais de mil movimentos, dentre os quais “Jornalistas pela Mudança”, “Operários pela Mudança”, “Médicos para a Mudança” ou “Jovens para a Mudança” levaram à atual onda de incontáveis fóruns online em que se reúnem cidadãos urbanos, de classe média e baixa, todos usuários experientes da internet.

Outro desenvolvimento crucial foi a greve, em 2008, dos trabalhadores das indústrias têxteis da cidade de Mahalla al-Kubra no delta do Nilo, onde três operários foram mortos pelos guardas de segurança de Mubarak dia 16 de abril –, e que inspirou a criação do movimento online de mesmo nome (Facebook. Sobre o movimento, ver
http://www.wired.com/techbiz/startups/magazine/16-11/ff_facebookegypt ).

O Santo Graal demorou para mobilizar as massas. Semana passada, afinal, conseguiram. Os jovens influenciados pelo movimento Kefaya  preferem comitês populares para guiar os passos futuros de sua revolução, em vez de políticos. O pulso das ruas parece indicar que a maioria dos egípcios não querem que nenhuma ideologia política ou religiosa monopolize o que é movimento líquido, pluralista, múltiplo para reformar radicalmente o país e criar ali um novo modelo para o mundo árabe. Talvez um pouco sedutoramente romântico demais. Mas que tenha vivido 30 anos numa espécie de Revolução dos Bichos precisa dolorosamente de alguma catarse.
Rebelo-me, logo, existo
Para Fawaz Gerges, professor de economia da London School of Economics, tudo isso “ultrapassa em muito o problema Mubarak. A barreira do medo foi removida. É realmente o começo do fim do status quo na Região.” Que é maior que Mubarak, é; é exemplo vigoroso do que seja ativismo político orgânico, de base.

Ora, no discurso de elite do Dr. Zbigniew Brzezinski, guru de política exterior dos EUA, trata-se de seu temido “despertar político global” em ação – a Geração Y em todo o mundo em desenvolvimento, furiosa, irada, ultrajada, emocionalmente em frangalhos, quase toda desempregada, com a dignidade em farrapos, deixando aflorar seu potencial revolucionário e virando o status quo de cabeça para baixo (mesmo depois de o Faraó ter conseguido implantar o maior blecaute da história da Internet).

Assim como o movimento Kefaya foi a fagulha, essa foi também uma revolução do Facebook – que hoje, nas ruas do Cairo, Alexandria e Suez já foi rebatizado e chama-se agora Sawrabook (“o livro da revolução”). Uma rede RASD (“de monitoramento”, em árabe) foi lançada no primeiro dia dos protestos, 4ª-feira passada, configurada como uma espécie de “observatório da revolução”.

É crucialmente importante observar que naquele momento – há menos de uma semana – a rede al-Jazeera ainda não chegara ao Egito e a televisão estatal egípcia exibia, como sempre, velhos filmes em branco e preto. Em apenas três dias, a RASD reuniu em rede cerca de 400 mil usuários, no Egito e no mundo. Quando o regime do Faraó acordou, já era tarde demais – e de nada lhe serviu derrubar a internet.

É esse espírito de solidariedade em ação que invadiu as ruas sob a forma de jovens ativistas operando telefones sem fio, fotografando e filmando ataques e feridos ou montando tendas para atendimento de campanha. Ou moradores da cidade do Cairo, oferecendo as próprias casa para abrigar manifestantes e organizando piquetes de vizinhos para proteger-se da ação de saqueadores e ladrões – muitos dos quais mostrados por blogueiros, quando carregavam equipamentos de identificação dos postos armas retiradas dos postos de polícia de Mubarak.

Por mais alarmadas que estejam as rarefeitas elites globais – basta seguir o labirinto de ambiguidades que liga Washington e as capitais europeias –, Brzezinski, pelo menos, parece suficientemente ligado para entender a deriva geral, quando “as principais potências mundiais, novas e velhas (...) enfrentam uma nova realidade: embora a letalidade do poder bélico seja hoje maior do que nunca, a capacidade de impor controle a massas que já despertaram para a vida política alcança hoje o ponto mais baixo de toda a história.”

A velha ordem está morrendo, mas a nova ainda não nasceu. A Idade da Fúria no arco que vai da África do Norte ao Oriente Médio parece ter começado – mais ainda não se sabe qual será a nova configuração geopolítica. O povo se fará ouvir – ou acabará encurralado e controlado pelas potências que aí estão?

O Egito não se converterá em democracia que funciona porque falta a infraestrutura política. Mas pode recomeçar do começo, com todas as oposições tão desprestigiadas quando o regime. A geração mais jovem – potencializada pela emoção de estar lutando do lado certo da história – terá papel crucial.

Não aceitarão a ilusão de ótica de alguma falsa mudança de regime, só para preservar alguma “estabilidade”. Não aceitarão ser sequestrados por EUA e Europa, apresentados como neofantoches. Querem o choque do novo; governo verdadeiramente soberano, nada de neoliberalismo e uma nova ordem política para o Oriente Médio.

A contrarrevolução será feroz. E atacará muito mais do que alguns bunkers no Cairo.

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Egito: o Irã ganha e Israel perde
1/2/2011, M K Bhadrakumar, Asia Times Online
 
As duas potências regionais mais afetadas pelo torvelinho no Oriente Médio serão Irã e Israel. A vida, tantas vezes, oferece estranhos paralelos e há muitas coisas em comum entre os dois adversários e desafetos intratáveis.
 
São dois países não-árabes, ambos curiosamente “estáveis” numa região sacudida num vendaval. Ninguém aponta dedo acusador a nenhum deles, como “mão oculta” ativa por trás do torvelinho que agita o país vizinho de ambos – nem os piores detratores. De fato, parece que os dois países foram surpreendidos pela torrente de eventos, sem saber como assimilar o indefinido e ainda inimaginável significado do que está acontecendo no Egito.
 
Os dois países são suficientemente espertos para saber que pequenas fagulhas iniciam erupções de dimensões vulcânicas – um trem blindado correndo da Alemanha para a Rússia; um sermão pregado por velho imã no exílio, nos arredores de Paris, à sombra de uma macieira; ou um policial cuja consciência o faça desobedecer ordens para atirar contra manifestantes numa rua de Tirana. E nenhum dos dois países pode adivinhar que segredos as ruas do Cairo ainda revelarão ao mundo.
 
Mas há também diferença fundamental entre eles. Para o Irã, tudo se resume a determinar o tamanho da vitória. Para Israel, trata-se de conter as perdas. E é verdade também que, se o vencedor não leva tudo, algo perde.
 
O Irã surfa a crista da onda
Teerã manifestou-se rapidamente em apoio ao levante popular no Egito. Foi a única voz a manifestar-se, solitária, na região. Círculos religiosos, políticos e militares manifestaram-se em Teerã, e o ministério das Relações Exteriores falou (“O Irã monitora os acontecimentos regionais”, 30/1/2011, Press TV, Teerã, e em português em Redecastorphoto, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/01/o-ira-monitora-os-acontecimentos.html).
 
A declaração mais significativa até agora veio do presidente do Majlis [Parlamento] iraniano Ali Larijani, que anunciou o apoio do Irã aos levantes populares na Tunísia e no Egito, descrevendo-os como “uma fagulha” para outros movimentos no Oriente Médio: “A tendência evolucionário dessa revolução regional surpreendeu os ditadores e a revolução dos livres de coração” transcendeu os limites do nacionalismo.
 
Alto comandante militar, comandante do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, general Hossein Salami, ecoou os sentimentos: “O Egito é o coração do mundo árabe (...) e quaisquer mudanças ou revoluções sociopolíticas no Egito repetir-se-ão em muitos outros países islâmicos”. Disse que o Egito havia-se convertido em quintal de Israel e “ponto de apoio geoestratégico para as políticas dos EUA para a África”. Salami afirmou a afinidade ideológica do Irã com o levante do Egito, chamando-o “manifestação da Revolução Islâmica [de 1979] no Oriente Médio e no mundo islâmico”.
 
O establishment religioso está evidentemente em estado de graça. O líder interino das orações das 6as.-feiras em Teerã, o aiatolá Ahmad Khatami, disse que os levantes significaram o nascimento de um “Oriente Médio Islâmico” baseado em princípios de religião e democracia.
 
Em declaração oficial, o ministério das Relações Exteriores do Irã disse que “As demonstrações no Egito, nação muçulmana, são movimento que visa à realização da justiça e a atender as exigências nacionais e ideológicas do povo egípcio." E aconselhou o governo de Hosni Mubarak a ouvir “a voz de sua nação muçulmana”, a aceitar o “despertar islâmico” e a render-se às exigências do povo.  
 
Para o ministro das Relações Exteriores Ali Akbar Salehi, “Hoje, o Egito e o povo egípcio servem-se da valiosa experiência de resistência da história contemporânea do Oriente Médio e começam a assumir o controle de seu próprio destino, exigindo o respeito que merecem pelo lugar que ocupam na Região.” Disse ao Majlis que “O que vemos no Oriente Médio e no norte da África são nações que são potências regionais, vigilantes, inspiradas pelo ensinamento islâmico, um despertar do islã, buscando libertar-se pelas forças populares, da dominação de poderes hegemônicos e alcançar independência real” (“O Irã monitora os acontecimentos regionais”, 30/1/2011, Press TV, Teerã, e em português em Redecastorphoto, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/01/o-ira-monitora-os-acontecimentos.html).
 
Teerã estima que o Oriente Médio chegou a uma encruzilhada histórica e que, afinal, a ira popular despertou, contra os regimes autocráticos. Trabalha agora para estabelecer uma ponte de afinidades islâmicas com os levantes populares, mas sempre atenta para não exortar os povos árabes à revolta. Teerã aproveitará a oportunidade que surgiu para construir elos com seus vizinhos árabes e, assim, começar a quebrar o isolamento regional imposto pelos EUA.
 
Toda a situação geral na Região caminha em direção que favorece o Irã. Um governo patrocinado por Teerã já começou a trabalhar em Bagdá. No Líbano, um governo controlado pelo Hezbollah está assumindo o poder democraticamente em Beirute. Os documentos publicados pela rede al-Jazeera sobre negociações secretas entre o presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas e os EUA e Israel, faz aumentar a representatividade do Hamás como voz da resistência. O Irã mantém sólidos laços com a Síria. E há hoje entendimento que jamais se viu antes entre o Irã e a Turquia.
 
Por outro lado, o desarranjo que se vê no campo palestino e a fluidez dos eventos no Cairo são fortes obstáculos que impedem Washington de retomar qualquer processo de paz em futuro próximo ou previsível – o que significa que os inúmeros fracassos do governo Obama no Oriente Médio continuam absolutamente expostos, além da desconfiança declarada que inspira à rua árabe.
 
Também opera a favor de Teerã a evidência de que é tarefa do governo Obama lidar com as mudanças cataclísmicas que varrem toda a Região. A questão nuclear iraniana sai do centro do palco, empurrada para as fileiras finais, ante as novas prioridades que se impõem a Washington. Washington, doravante, estará soterrada nas tarefas de ‘construção’ do “Novo Oriente Médio”.
 
Enquanto isso, toda a estratégia dos EUA para isolar o Irã na Região, construindo uma falange de regimes árabes “pró-ocidente” plus Israel esvai-se água abaixo. E a influência do Irã como potência regional tem chances de alcançar novo patamar qualitativo.
 
A Israel... resta do blues do Oriente Médio
Em Telavive o nervosismo é extremo, em claro contraste com o júbilo que se ouve em Teerã. Os israelenses, sempre tão falantes ao desdenhar os vizinhos árabes, estão mudos. Apostam e fingem que creem que o governo Mubarak sobreviverá, de alguma forma, à tempestade. “Mubarak não é Zine el-Abidine Ben Ali, [presidente deposto da Tunísia]. Há enorme diferença. O regime egípcio tem raízes profundas, inclusive no establishment da Defesa. O governo é forte o bastante para superar as dificuldades atuais”.
 
Funcionário do governo de Israel disse à Agência France-Presse que “é interesse fundamental do Egito manter os laços privilegiados que o ligam ao ocidente, e manter a paz com Israel”. Pesquisador israelense tomou posição de assumido retrocesso: “Ainda que a Fraternidade Muçulmana, que sempre criticou os ‘laços ilegais’ entre Egito e Israel, assuma o poder, o exército e os serviços de segurança egípcios farão oposição total, com todo o poder que têm”.
 
Israel está obrigado a apostar todas as suas fichas no vice-presidente recém indicado, general Omar Suleiman (que foi chefe dos serviços de segurança e trabalhou sempre muito próximo do establishment de segurança israelense), que, na prática, está sendo entronizado sobre os cacos do regime de Mubarak.
 
Mas Telavive não se exporá a nenhum risco. Diplomatas israelenses no Cairo já foram discretamente evacuados por helicóptero e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou que ninguém, dentro do governo, comente os acontecimentos no Egito. Nas palavras de um importante político israelense, “Israel nada pode fazer quanto ao que está acontecendo lá. Só podemos manifestar nosso apoio a Mubarak e esperar que os tumultos se esvaziem”.
 
Israel não previu qualquer levante popular no Egito. Na 3ª.feira, quando já havia tumultos de rua no Cairo, o novo chefe da inteligência militar de Israel Aviv Kochavi, dizia em audiência na Comissão de Assuntos Exteriores e Defesa do Knesset (Parlamento) que nada ameaçava o governo Mubarak e que a Fraternidade Muçulmana não estava suficientemente organizada, de modo que ameaçasse o regime.
 
De todos, qual o pior cenário para Israel? Há medo, em Israel, sob vários formatos. Sem dúvida, o desafio estratégico é que pode acontecer de Israel ver-se em posição de agudo isolamento regional. Comentarista do jornal israelense Ha'aretz observou que “o poder cada vez mais fraco do governo de Mubarak deixa Israel em situação de extrema fragilidade estratégica. Sem Mubarak, já praticamente não restam amigos de Israel, no Oriente Médio; ano passado, foi o colapso da aliança entre Israel e Turquia. De agora em diante, será cada vez mais difícil, para Israel, depender de um governo egípcio cindido por lutas internas.”
 
O tratado de paz de 1979 com o Egito, gerou não apenas dividendo de paz para Israel (porque permitiu que Israel fizesse cortes em suas despesas desproporcionalmente altas com a Defesa), mas também criou condições para que as forças israelenses pudessem concentrar-se no chamado “front norte” – Síria, Líbano e Irã – e na defesa das colônias nos territórios palestinos ocupados. Incertezas no Egito imporão novo envio de forças para o sul, sobretudo para o Corredor Philadelphi entre Sinai e Gaza, que os resistentes palestinos usam para abastecimento.
 
À frente o mar parece agitado. Algum novo regime que suceda Mubarak cooperará com Israel tanto quanto Mubarak – apesar da “paz fria”? Se a Fraternidade Muçulmana chegar ao poder no Cairo, o tratado de paz entre Israel e Egito virará relíquia histórica?
 
E, se a agitação alastrar-se pela Cisjordânia e atingir Abbas? Suleiman oferece a Israel um “canal oculto” [ing. "back channel"] para o Hamás. O fervor islâmico que cresce na região fortalece muitíssimo os dois “atores não estatais” que são a mais grave ameaça à segurança de Israel – o Hezbollah no Líbano e o Hamás. As mudanças políticas em Beirute fortalecem a mão do Hezbollah, da Síria e do Irã.
 
Além disso tudo, há a ameaça existencial de um surge iraniano. Os EUA estarão ocupados em tentar salvar a própria influência na Região. Pode acontecer de Washington ter de afastar os olhos, por um momento, de Teerã, para cuidar, dedicadamente de questões arroz-com-feijão – o canal de Suez, a transição política na Arábia Saudita, o petróleo, o Iraque, a retirada do Afeganistão e a obrigação histórica imperativa de tentar direcionar qualquer massivo levante popular na direção da democracia, afastando as massas de qualquer via islâmica radical.
 
Israel dedicou-se quase exclusivamente a atrair a atenção dos EUA para o processo de paz no Oriente Médio e para conter o programa nuclear iraniano. O plano estava dando certo, até que a crise política no Oriente Médio trouxe de volta a questão palestina para o centro da política regional. É o camelo dentro da tenda, que ninguém conseguirá não ver.
 
Pressão ocidental, sobretudo europeia, aumentarão muito e, a menos que se dê atenção à crise fundamental entre palestinos e Israel, não haverá estabilidade durável no Oriente Médios, e os interesses ocidental estarão gravemente ameaçados. Pode acontecer de Israel não poder prosseguir facilmente com suas políticas racistas e antiárabes.
 
O coração da questão é que os interesses de EUA e Israel divergem muito significativamente. Não há traço de “antiamericanismo” nos levantes, pelo menos até agora. Mas os regimes que vierem a estabelecer-se farão oposição séria ao apoio monolítico dos EUA a Israel, e não será questão de rotina. A principal preocupação de Israel será que as novas realidades no Oriente Médio talvez obriguem os EUA a reprogramar sua visão regional.
 
Não há, entre os encarregados de informar Obama sobre o fogo no Oriente Médio durante o fim-de-semana, nenhum especialista – Tom Donilon, Conselheiro de Segurança Nacional; Bill Daley, Chefe de Gabinete; Ben Rhodes, Conselheiro de Segurança Nacional; Tony Blinken, Conselheiro de Segurança Nacional do vice-presidente; Denis McDonough, secretário do Conselho de Segurança Nacional; John Brennan, assessor da presidência; e Robert Cardillo, diretor de Inteligência Nacional.
 
Como Helena Cobban escreveu em seu blog, é caso impressionante de “cegos guiando cego e cegos aconselhando cego” no Salão Oval (“Obama's know-nothings discuss Egypt”, Helena Cobban, 28/1/2011 em http://justworldnews.org/archives/004137.html).
 
É hora de convocar os “Arabistas do Departamento de Estado”, até agora expulsos para o exílio das questões ideológicas, para substituir a equipe de conhecidos militantes pró-Israel que Obama nomeou como seus conselheiros.
 
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Egito: uma ditadura nas vascas da morte

Robert Fisk30/1/2011, The Independent, UK
http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-egypt-death-throes-of-a-dictatorship-2198444.html

Os tanques egípcios, os manifestantes em delírio sentados sobre eles, as bandeiras, os 40 mil manifestantes lacrimejando e gritando vivas na Praça da Liberdade e rezando à volta dos tanques, um membro da Fraternidade Muçulmana sentado entre os ocupantes do tanque. Pode-se talvez comparar à libertação de Bucareste? Subi eu também sobre um tanque de combate, e só conseguia pensar naqueles maravilhosos filmes da libertação de Paris. A apenas algumas centenas de metros dali, os guardas da segurança de Mubarak, nos uniformes pretos, ainda atiravam contra manifestantes perto do ministério do Interior. Foi celebração selvagem de vitória histórica, os tanques de Mubarak libertando a capital de sua própria ditadura.

No mundo de pantomima de Mubarak – e de Barack Obama e Hillary Clinton em Washington –, o homem que ainda se diz presidente do Egito deu posse a um vice-presidente cuja escolha não poderia ter sido pior, na tentativa de aplacar a fúria dos manifestantes – Omar Suleiman, chefe-negociador do Egito com Israel e principal agente da inteligência egípcia, 75 anos de idade e muitos de contatos com Telavive e Jerusalém, além de quatro ataques cardíacos. Não se sabe de que modo esse velho apparatchik doente conseguiria enfrentar a fúria e a alegria de 80 milhões de egípcios que se vão livrando de Mubarak. Quando falei a alguns manifestantes ao meu lado sobre o tanque, da nomeação e posse de Suleiman, houve gargalhadas.

Os soldados que conduzem os tanques, em uniforme de combate, sorridentes e às vezes aplaudindo os passantes, não fizeram qualquer esforço para apagar das laterais dos tanques os graffiti ali pintados com tinta spray. “Fora Mubarak! Caia fora, Mubarak!” e “Mubarak, seu governo acabou” aparecem grafitados em praticamente todos os tanques que se veem pelas ruas do Cairo. Sobre um dos tanques que circulavam pela Praça da Liberdade, vi um alto dirigente da Fraternidade Muçulmana, Mohamed Beltagi. Antes, andei ao lado de um comboio de tanques próximo de Garden City, subúrbio do Cairo, onde as multidões subiram aos tanques para oferecer laranjas aos soldados, aplaudindo-os como patriotas egípcios. A nomeação ensandecida e sem sentido de um vice-presidente [o primeiro, em 30 anos, e nomeação que significa que Mubarak desistiu de nomear o filho para substituí-lo no poder (NTs)] e a formação de um ‘novo’ Gabinete sem poder algum, constituído só de velhos conhecidos dos egípcios, evidenciam que as ruas do Cairo viram e veem o que nem os estrategistas e políticos dos EUA e da União Europeia souberam ver: que o tempo de Mubarak acabou.

As frágeis ameaças de Mubarak de que empregará repressão violenta em nome do bem estar dos egípcios   quando já se sabe que a sua própria polícia e suas milícias são responsáveis pelos ataques mais violentos dos últimos cinco dias – só geraram ainda mais fúria entre os manifestantes, vítimas de 30 anos de ditadura várias vezes muito violenta. Crescem as suspeitas de que os piores ataques da repressão foram executados por milícias não uniformizadas – inclusive o assassinato de 11 homens numa vila do interior do país nas últimas 24 horas –, tentativa de dividir o movimento e criar suspeitas contra as intenções democratizantes das manifestações contra o governo de Mubarak. A destruição dos centros de comunicações por grupos de homens mascarados – que se suspeita que tenha sido ordenada por alguma agência da segurança de Mubarak – também parece ter sido obra das milícias não uniformizadas que espancaram manifestantes.

Mas o incêndio de postos policiais no Cairo, Alexandria, Suez e outras cidades não foram obra daquelas milícias. No final da 6ª-feira, a 40 milhas do Cairo, na estrada para Alexandria, havia grandes grupos de jovens em torno de fogueiras acesas no meio da estrada e, quando os carros paravam, eram assaltados; os assaltantes exigiam dólares, sempre muitos, em dinheiro. Ontem pela manhã, homens armados roubavam carros, de dentro dos quais arrancavam motoristas e passageiros, no centro do Cairo.

Infinitamente mais terrível foi o vandalismo contra o Museu Nacional do Egito. Depois que a polícia abandonou o serviço de segurança do museu, houve invasão de saqueadores e vândalos, que roubaram ou destruíram peças de 4 mil anos, múmias e peças de madeira esculpida de valor inestimável – barcos, esculpidos com todos os detalhes e a tripulação, miniaturas magníficas, feitas para acompanhar os faraós na viagem pós-morte. Vitrines que protegiam trajes milenares foram quebradas, os guardas pintados de preto arrancados e depredados. Outra vez, é preciso registrar que há boatos de que os próprios policiais destruíram o museu, antes de fugir na 6ª-feira à noite. Lembrança fantasmagórica do museu de Bagdá em 2003. Bagdá foi pior, a destruição foi mais total, mas mesmo assim foi terrível o desastre do museu do Cairo.

Em minha jornada noturna da Cidade 6 de Outubro até a capital, tive de diminuir a velocidade várias vezes, porque a estrada está cheia de restos de veículos queimados. Havia destroços e vidros quebrados pela estrada, e muitos policiais armados, com rifles apontados para os faróis do meu carro. Vi um jipe semidestruído. Os restos do equipamento da polícia antitumulto que os manifestantes expulsaram da cidade do Cairo na 6ª-feira. Os mesmos manifestantes que, ontem à noite, formavam círculo gigantesco em torno da Praça da Liberdade para rezar. Gritos de “Allah Alakbar” trovejavam pela cidade no ar da noite.

Há também quem clame por vingança. Uma equipe de jornalistas da rede al-Jazeera encontrou 23 cadáveres em Alexandria, aparentemente assassinados pela polícia. Vários tinham os rostos horrivelmente mutilados. Outros onze cadáveres foram encontrados no Cairo, cercados por parentes que gritavam por vingança contra a polícia.

No momento, Cairo salta em minutos da alegria para a mais terrível fúria. Ontem pela manhã, andei pela ponte do rio Nilo e vi as ruínas do prédio de 15 andares onde funcionava a sede do partido de Mubarak, que foi incendiado. À frente, um imenso cartaz pregava os benefícios que o partido trouxe ao Egito – imagens de estudantes formados bem sucedidos, médicos e pleno emprego, promessas que o governo de Mubarak sempre repetiu e jamais cumpriu em 30 anos – emoldurados pela fuligem, semiqueimados, pendentes das janelas enegrecidas do prédio. Milhares de egípcios andavam pela ponte e pelos acessos laterais para fotografar o prédio ainda fumegante – e muitos saqueadores, a maioria velhos, que tiravam de lá mesas e cadeiras.

No instante em que uma equipe de televisão escocesa preparava-se para filmar as mesmas cenas, foi cercada por várias pessoas que disseram que não tinham o direito de filmar os incêndios, que os egípcios são povo orgulhoso que não roubaria nem saquearia. O assunto foi discutido várias vezes ao longo do dia: se a imprensa teria ou não o direito de divulgar imagens sobre essa “libertação”, que veiculassem ideias menos dignas do movimento. Mesmo assim, os manifestantes mantinham-se cordiais e – apesar das declarações acovardadas de Obama, na 6ª-feira à noite – não se viu nenhum, nem qualquer mínimo sinal de hostilidade contra os EUA. “Tudo que queremos, tudo, exclusivamente, é que Mubarak vá-se daqui, que haja eleições que nos devolvam a liberdade e a honra” – disse-me uma psiquiatra de 30 anos. Por trás dela, multidões de jovens limpavam o leito da rua, removendo restos de veículos e barreiras postas nas intersecções e esquinas – releitura irônica do conhecido ditado egípcio, de que os egípcios nunca varrerão as próprias ruas.

A alegação de Mubarak, de que as atuais demonstrações e atos de delinqüência – a combinação foi tema do discurso em que Mubarak declarou que não deixaria o Egito – seriam parte de um “plano sinistro” é evidentemente o núcleo de seu argumento, na tentativa de não perder o reconhecimento mundial.

De fato, a própria resposta de Obama – sobre a necessidade de reformas e o fim da violência – foi cópia exata de todas as mentiras que Mubarak sempre usou para defender seu governo durante 30 anos. Os egípcios riram de Obama – inclusive no Cairo, depois de eleito – quando exigiu que os árabes abraçassem a liberdade e a democracia. Mas até essas aspirações sumiram completamente quando, na 6ª-feira, Obama assegurou seu desconfortável e incomodado apoio ao presidente egípcio. O problema é o de sempre: as linhas do poder e as linhas da moralidade em Washington jamais convergem quando os presidentes dos EUA têm de lidar com o Oriente Médio. A liderança moral dos EUA cessa de existir quando há confronto declarado entre o mundo árabe e Israel.

E o exército egípcio, desnecessário lembrar, é parte da equação. Recebe de Washington mais de 1,3 bilhão de dólares de auxílio anual. O comandante desse exército, general Tantawi – que casualmente estava em Washington, quando a polícia tentava esmagar os manifestantes – sempre foi muito amigo, pessoal, íntimo, de Mubarak. Não é bom sinal, parece, pelo menos no futuro imediato.

Assim, a “libertação” do Cairo – onde houve notícias, ontem à noite, de saques no hospital Qasr al-Aini – ainda tem a andar, até a consumação. O fim pode ser claro. A tragédia ainda não acabou.

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domingo, janeiro 30, 2011

Egito em erupção




Pode ser o fim. Com certeza é o começo do fim. Em todo o Egito, dezenas de milhares de árabes enfrentaram gás lacrimogêneo, canhões de água, granadas e tiroteio para exigir o fim da ditadura de Hosni Mubarak depois de mais de 30 anos.

Enquanto Cairo mergulha em nuvens de gás lacrimogêneo das milhares de granadas lançadas contra multidões compactas, era como se a ditadura de Mubarak realmente andasse rumo ao fim. Ninguém, dos que estávamos ontem nas ruas do Cairo, tínhamos nem ideia de por onde andaria Mubarak – que mais tarde apareceria na televisão, para demitir todos seus ministros. Nem encontrei alguém preocupado com Mubarak.

Eram dezenas de milhares, valentes, a maioria pacíficos, mas a violência chocante dos battagi – em árabe, a palavra significa literalmente “bandidos” – uniformizados sem uniforme das milícias de Mubarak, que espancaram, agrediram e feriram manifestantes, enquanto os guardas apenas assistiam e nada fizeram, foi uma desgraça. Esses homens, quase todos dependentes de drogas e ex-policiais, eram ontem a linha de frente do Estado egípcio. Os verdadeiros representantes de Hosni Mubarak.

Num certo momento, havia uma cortina de gás lacrimogêneo por cima das águas do Nilo, enquanto as milícias antitumultos e os manifestantes combatiam sobre as grandes pontes sobre o rio. Incrível. A multidão levantou-se e não mais aceitará a violência, a brutalidade, as prisões, como se essa fosse a parte que lhe coubesse na maior nação árabe do planeta. Os próprios policiais pareciam saber que estavam sendo derrotados. “E o que podemos fazer?” – perguntou-nos um dos guardas das milícias antitumulto. “Cumprimos ordens. Pensam que queremos isso? Esse país está despencando ladeira abaixo.” O governo impôs um toque de recolher noite passada. A multidão ajoelhou-se para rezar, à frente da polícia.

Como se descreve um dia que pode vir a ser página gigante da história do Egito? Os jornalistas devem abandonar as análises e apenas narrar o que aconteceu da manhã à noite, numa das cidades mais antigas do mundo. Então, aí está a história como a anotei, garatujada no meio da multidão que não se rendeu a milhares de policiais uniformizados da cabeça aos pés e e milicianos sem uniforme.

Começou na mesquita Istikama na Praça Giza: um sombrio conjunto de apartamentos de blocos de concreto, e uma fileira de policias especializados em controle de tumultos que se estendia até o Nilo. Todos sabíamos que Mohamed ElBaradei ali estaria para as orações do meio dia e, de início, parecia que não haveria muita gente. Os policiais fumavam. Se fosse o fim do reinado de Mubarak, aquele começo do fim pouco impressionava.

Mas então, logo que as últimas orações terminaram, uma multidão de fiéis apareceu na rua, andando em direção aos policiais. “Mubarak, Mubarak”, gritavam, “a Arábia Saudita o espera”. Foi quando os canhões de água foram virados na direção da multidão – a polícia estava organizada para atacar os manifestantes, mesmo não sendo atacada. A água atingiu a multidão e em seguida os canhões foram apontados diretamente contra ElBaradei, que retrocedeu, encharcado.

ElBaradei desembarcara de Viena poucas horas antes, e poucos egípcios creem que chegue a governar o Egito – diz que só veio para ajudar como negociador –, mas foi atacado com brutalidade, uma desgraça. O político egípcio mais conhecido e respeitado, Prêmio Nobel, trabalhou como principal inspetor da Agência Nuclear da ONU, ali, encharcado como gato de rua. Creio que, para Mubarak, ElBaradei não passaria de mais um criador de confusão, com sua “agenda oculta” – essa, precisamente, é a linguagem que o governo egípcio fala hoje.

Aí, começaram as granadas de gás lacrimogêneo. Alguns milhares delas, mas algo aconteceu, enquanto eu caminhava ao lado dos lança-granadas. Dos blocos de apartamentos e das ruas à volta, de todas as ruas e ruelas, centenas, depois de milhares de pessoas começaram a aparecer, todas andando em direção à Praça Tahrir. Era o movimento que a polícia queria impedir. Milhares de cidadãos em manifestação no coração da cidade do Cairo daria a impressão de que o governo já caíra. Já haviam cortado a internet – o que isolou o Egito, do resto do mundo – e todos os sinais de telefonia celular estavam mudos. Não fez diferença.

“Queremos o fim do regime”, gritavam as ruas. Talvez não tenha sido o mais memorável brado revolucionário, mas gritaram e gritaram e repetiram, até derrotar a chuva de granadas de gás lacrimogêneo. Vinham de todos os lados da cidade do Cairo, chegavam sem parar, jovens de classe média de Gazira, os pobres das favelas de Beaulak al-Daqrour, todos marchando pelas pontes sobre o Nilo, como um exército. Acho que sim, são um exército.

A chuva de granadas de gás continuava sobre eles. Tossiam e esfregavam os olhos e continuavam andando. Muitos cobriram a cabeça e a boca com casacos e camisetas, passando em fila pela frente de uma loja de sucos, onde o dono esguichava limonada diretamente na boca dos passantes. Suco de limão – antídoto contra os efeitos do gás lacrimogêneo – escorria pela calçada e descia pelo esgoto.

Foi no Cairo, claro, mas protestos idênticos aconteceram por todo o Egito, como em Suez, onde já há 13 egípcios mortos.

As manifestações não começaram só nas mesquitas, mas também nas igrejas coptas. “Sou cristão, mas antes sou egípcio” – disse-me um homem, Mina. “Quero que Mubarak se vá!” E foi quando apareceram os primeiros bataggi sem uniforme, abrindo caminho até a frente das fileiras da polícia uniformizada, para atacar os manifestantes. Estavam armados com cassetetes de metal – onde conseguiram? – e barras de ferro, e poderão ser julgados e condenados por agressão grave e assassinato, se o regime de Mubarak cair. São pervertidos. Vi um homem chicotear um jovem pelas costas, com um longo cabo amarelo. O rapaz gritou de dor. Por toda a cidade, os policiais uniformizados andam em pelotões, o sol refletindo no visor dos capacetes. A multidão já deveria ter sido intimidada, àquela altura, mas a polícia parecia feia, como pássaros encapuzados. E os manifestantes alcançaram a calçada da margem leste do Nilo.

Alguns turistas foram colhidos de surpresa no meio do espetáculo – vi três senhoras de meia idade, numa das pontes do Nilo (os hotéis, claro, não informaram os hóspedes sobre o que estava acontecendo –, mas a polícia decidiu que fecharia a extremidade leste do viaduto. Dividiram-se outra vez, para deixar passar as milícias não uniformizadas, e esses brutamontes atacaram a primeira fileira dos manifestantes. E foi quando choveu a maior quantidade de granadas de gás, centenas de granadas, em vários pontos, contra a multidão que andava sem parar por todas as grandes vias, em direção cidade. Os olhos ardem, e tosse-se horrivelmente, até perder o fôlego. Alguns homens vomitavam nas soleiras das portas fechadas das lojas.

O fogo começou, ao que se sabe, noite passada, na sede do NDP, Partido Democrático Nacional, partido de Mubarak. O governo impôs um toque de recolher, e há relatos de tropas na cidade, sinal grave de que a polícia pode ter perdido o controle dos acontecimentos. Nos abrigamos no velho Café Riche, perto da Praça Telaat Harb, restaurante e bar minúsculo, com garçons vestidos de azul; e ali,  tomando café, estava o grande escritor egípcio Ibrahim Abdul Meguid, bem ali à nossa frente. Foi como dar de cara com Tolstoi, almoçando em plena revolução russa. “Mubarak está sem reação!” – festejou ele. “É como se nada estivesse acontecendo. Mas vai, agora vai. O povo fará acontecer!” Sentamos, ainda tossindo e chorando por causa do gás. Foi desses instantes memoráveis, que acontecem mais em filmes que na vida real.

E havia um velho na calçada, cobrindo os olhos com a mão. Coronel da reserva Weaam Salim do exército do Egito, que saiu para a rua com todas as suas medalhas da guerra de 1967 contra Israel – que o Egito perdeu – e da guerra de 1973 que, para o coronel, o Egito venceu. “Estou deixando o piquete dos soldados veteranos” – disse-me ele. “Vou-me juntar aos manifestantes”. E o exército? Não se viram soldados do exército durante todo o dia. Os coronéis e brigadeiros mantêm-se em silêncio. Estarão à espera da lei marcial de Mubarak?

As multidões não obedeceram ao toque de recolher. Em Suez, caminhões da polícia foram incendiados. Bem à frente do meu hotel, tentaram jogar no rio Nilo um caminhão da Polícia. Não consegui voltar à parte ocidental do Cairo pelas pontes. As granadas de gás ainda empesteiam as margens do Nilo. Mas um policial ficou com pena de nós – emoção absolutamente inexistente, devo dizer, ontem, entre os policiais – e nos guiou até a margem do rio. E ali estava uma velha lancha egípcia a motor, de levar turistas, com flores plásticas e proprietário disponível. Voltamos em grande estilo, bebendo Pepsi. Cruzamos com uma lancha amarela, super rápida, da qual dois homens faziam sinais de vitória para a multidão sobre as pontes. Uma jovem, sentada na parte de trás da lancha, carregava uma imensa bandeira: a bandeira do Egito.

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sábado, janeiro 29, 2011

Um relatório do Banco Mundial, publicado em 2009, informava que os países árabes importavam cerca de 60% dos alimentos que consomem

(Carta Maior, Sábado, 29/01/2011)

O Egito a caminho da revolução. O que fazer?
Aqueles que temem o crescimento do “islamismo radical” como fator de instabilidade nessa região, deveriam estar mais atentos em relação às “ditaduras amistosas” que, na verdade, são as principais responsáveis pela insegurança no mundo. Desemprego em massa, preços dos alimentos e repressão política é uma combinação explosiva mais perigosa do que os homens bomba. No caso do Egito dois terços da população são jovens abaixo de 30 anos, dos quais 90% estão desempregados. O artigo é de Reginaldo Nasser.
Reginaldo Nasser (*)
As mobilizações populares na Tunísia, Egito, Iêmen e em outros lugares são um alerta para o chamado mundo desenvolvido e seria uma grande avanço para a democracia se esta região que permanece imersa na violência, em fraudes eleitorais e miséria crescente da população recebesse o devido apoio internacional nesse momento.

O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, disse que os EUA poderão revisar a ajuda ao Egito. O presidente Obama solicitou às autoridades egípcias que evitem o uso de qualquer tipo de violência contra manifestantes pacíficos, alertando que " aqueles que protestam nas ruas têm uma responsabilidade de expressar-se pacificamente. Já a chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que a “estabilidade do país é muito importante, mas não a qualquer preço”. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu que "os líderes do Egito escutem as preocupações legítimas e os desejos de seus cidadãos”. O primeiro ministro britânico David Cameron declarou: “Eu acho que precisamos de reformas. Quero dizer que nós apoiamos o progresso e o reforço da democracia”.

Como avaliar a atitude desses líderes mundiais? Patética, cínica, hipócrita, irresponsável? Talvez devêssemos recorrer a um grande pensador liberal do século XIX, Aléxis de Tocqueville, e ouví-lo a respeito dos períodos revolucionários na França. Tocqueville alertava para o fato de líderes, que adquiriram experiência em lidar com a política em ambiente de ausência de liberdade, quando se encontraram diante de uma revolução que chegou “inesperadamente”, se assemelhavam aos remadores de rio que, de repente, se vêem instados a navegar no meio do oceano. Os conhecimentos adquiridos em suas viagens por águas calmas vão proporcionar mais problemas do que ajuda nessa aventura, e na maioria das vezes exibem mais confusão e incerteza do que os próprios passageiros que supostamente deveriam conduzir.

Já havia sinais reveladores dessas turbulências, mas o Ocidente preferia se preocupar com burcas, minaretes e terrorismo. Um relatório do Banco Mundial, publicado em 2009, informava que os países árabes importavam cerca de 60% dos alimentos que consomem e já são os maiores importadores de cereais no mundo, dependendo de outros países para a sua segurança alimentar. A elevação dos preços nos mercados mundiais, desde 2008, já causou ondas de protestos em dezenas de países e milhões de desempregados e pobres nos países árabes, como foram os casos da Argélia , em 1988, e da Jordânia em 1989. Um exemplo mais recente, além da região árabe, é o Quirguistão onde um aumento da eletricidade e tarifas de celulares causaram manifestações com dezenas de mortos e milhares de feridos.

Aqueles que temem o crescimento do “islamismo radical” como fator de instabilidade nessa região, deveriam estar mais atentos em relação às “ditaduras amistosas” que, na verdade, são as principais responsáveis pela insegurança no mundo. Desemprego em massa, preços dos alimentos e repressão política é uma combinação explosiva mais perigosa do que os homens bomba.

A demografia no mundo árabe é também um grande problema. A população cresceu cinco vezes durante o século XX, e o crescimento continua a uma média anual de 2,3%. A população do Egito está em torno de 80 milhões. Em 2050 (de acordo com projeções da ONU) deverá ter 121 milhões. A população da Argélia irá crescer de 33 milhões em 2007 para 49 milhões em 2050; a do Iêmen de 22 a 58 milhões. Isso significa que mais empregos precisam ser criados - e mais alimentos importados, ou aumentar a capacidade para produzir mais. No caso do Egito dois terços da população são jovens abaixo de 30 anos, dos quais 90% estão desempregados.

Baseada no turismo, na agricultura e na exportação de petróleo e algodão, a economia é incapaz de sustentar a taxa de crescimento demográfico. 40% da população vive com menos de US$ 2 (R$ 3,30) por dia, o país está na 101ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)

De certa forma a auto-imolação do jovem tunisiano, Mohamad Bouazizi, que deflagrou a onda de protestos na Tunisia revela, no nível individual, aquilo que está acontecendo nas sociedades daquela região como um todo. Ele não se rebelou, apenas porque não encontrou trabalho que refletisse suas ambições profissionais, mas sim quando um oficial da polícia confiscou as frutas e legumes que estava vendendo sem autorização. Quando foi fazer uma reclamação para buscar justiça, sua demanda foi rejeitada. 
O presidente deposto da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, segundo esquerda, visita Bouazizi Mohamed, um jovem que se queimou depois que a polícia confiscou os frutos e legumes que ele vendia sem licença. Foto liberada pelo governo da Tunísia em 28 de dezembro de 2010.

Provavelmente foi este sentimento de injustiça que levou Mohamed Bouazizi e milhares de pessoas às ruas, empenhados em quebrar o ciclo da miséria e opressão.

Talvez seja mais confortável para a chamada comunidade internacional lidar com um mundo árabe dividido entre nacionalistas, relativamente seculares, de um lado e islamismo radical, de outro, do que um mundo mais complexo, com problemas econômicos, sociais e políticos que conta com sua cumplicidade.

(*) Professor de Relações Internacionais da PUC-SP

O grande jogo de Barack Obama


O grande jogo proposto pelo governo Obama, para o mundo pós-Iraque e pós-Afeganistão, aponta na mesma direção da década de 1970, só que com o sinal trocado. Agora se trata de uma proposta de aliança estratégica com a Rússia, que bloquearia a expansão chinesa na Ásia, mas que também envolverá algum tipo de apoio ou “convite” ao desenvolvimento do capitalismo russo, bloqueado pelo seu excessivo viés “primário-exportadora”. O projeto de Obama pode revolucionar a geopolítica mundial, mas também pode ser atropelado – entre outras coisas - pelas eleições presidenciais que ocorrerão nos EUA e na Rússia, em 2012. O artigo é de José Luís Fiori.
Nos últimos dois meses de 2010, o presidente Barack Obama tomou decisões e obteve vitórias internacionais que poderão mudar radicalmente a geopolítica mundial do século XXI. Graças à intervenção direta do presidente americano, a reunião da OTAN, em Lisboa, no mês de novembro, conseguiu aprovar um “Novo Conceito Estratégico” que define as diretrizes da organização para os próximos dez anos, com a previsão de retirada de suas tropas do Afeganistão, até 2014, e com decisão de instalar um novo sistema de defesa antimísseis da Europa e dos EUA, com a possível inclusão da Rússia e da Turquia, apesar da resistência do governo turco a cooperar com os países que estão obstaculizando sua entrada na UE.

Esta vitória parcial do governo Obama, se somou à aprovação pelo Congresso americano, em dezembro, do acordo bilateral de controle de armas atômicas, que havia assinado com o presidente Dmitry Medvedev, no mês de abril, e que foi ratificado pelo parlamento russo, poucos dias depois de sua aprovação pelo Senado dos EUA. Estas iniciativas enterram definitivamente o projeto Bush de instalação de um escudo balístico na fronteira ocidental da Rússia, e aprofundam as relações entre as duas maiores potências atômicas mundiais, desautorizando a mobilização anti-russa dos países da Europa Central, promovida e liderada atualmente, pela Polônia e pela Suécia.

Neste mesmo período, no Oriente Médio, o presidente Obama aumentou sua pressão contrária à instalação de novas colônias israelenses em território palestino, e diminuiu a intensidade retórica de sua disputa atômica com o Irã, sinalizando de forma discreta, a disposição para um novo tipo de acomodação regional. Como ficou visível, com o acordo político que permitiu a formação do novo governo iraquiano do premier Nuri al Maliki, com a intervenção do Irã e com o apoio dos EUA, apesar de que Maliki não fosse o candidato preferido dos norte-americanos. E provavelmente, a crise atual do governo libanês só terá uma solução pacífica e duradoura, se envolver, de novo, um ajuste de posições e interesses entre os EUA e o Irã, mesmo que ele seja informal e não declarado.

Estas vitórias e decisões do governo Obama, estão apontando para uma nova política internacional dos EUA, de aproximação com a Rússia, e de acomodação negociada das crises sobrepostas, do Oriente Médio e da Ásia Central. No caso da aproximação da Rússia, os EUA contam com o apoio da Alemanha, por cima das resistências e das divergências intermináveis da UE, e se ela tiver sucesso, deverá redesenhar o mapa geopolítico da Europa moderna. Dentro da nova aliança, a Rússia colaboraria com a estabilização da Ásia Central, e ocuparia um lugar de destaque em uma negociação silenciosa – que já está em curso – envolvendo o Irã e a Turquia, por cima das alianças tradicionais dos EUA, dentro da região, com vistas a construção de um novo equilíbrio de poder, no Oriente Médio. Em compensação, a Rússia teria o apoio norte-americano para retomar sua “zona de influencia”, e reconstruir sua hegemonia nos territórios perdidos, depois da Guerra Fria, sem as armas, e pelo caminho do mercado e das pressões diplomáticas, como já vem ocorrendo neste momento.

Esta nova estratégia é ousada e de alto risco, mas não é original. No auge do seu poder, logo depois da II Guerra Mundial, os EUA perderam o controle da Europa Central para a URSS, em seguida perderam o controle da China, para a revolução comunista de Mao Tse Tung, e foram obrigados à um armistício inglório, na Guerra da Coréia. Como conseqüência, os EUA tiveram que mudar sua estratégia do imediato pós-guerra, e transformaram a Alemanha e o Japão, nas peças econômicas centrais da aliança em que se sustentou a sua posição durante a Guerra Fria. Duas décadas depois, em plena época de ouro do “capitalismo keynesiano”, os EUA voltaram a ser derrotados no Vietnã, Laos e Cambodja, e perderam o controle militar do sudeste asiático. E de novo mudaram sua política internacional, construindo uma aliança estratégica com a China, que dividiu o mundo socialista, fragilizou a URSS, e redesenhou a geopolítica e o capitalismo do final do século XX.

Deste ponto vista, o grande jogo proposto pelo governo Obama, para o mundo pós-Iraque e pós-Afeganistão, aponta na mesma direção da década de 1970, só que com o sinal trocado. Agora se trata de uma proposta de aliança estratégica com a Rússia, que bloquearia a expansão chinesa na Ásia, mas que também envolverá algum tipo de apoio ou “convite” ao desenvolvimento do capitalismo russo, bloqueado pelo seu excessivo viés “primário-exportadora”.

Roosevelt concebeu uma aliança parecida com a URSS, em 1945, mas sua proposta foi atropelada pela sua morte, e pela estratégia desenhada por Churchill e Truman, que levou à Guerra Fria. Agora de novo, o projeto de Barack Obama pode revolucionar a geopolítica mundial, mas também pode ser atropelado – entre outras coisas - pelas mudanças presidenciais que ocorrerão nos EUA e na Rússia, no ano de 2012.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17325&boletim_id=814&componente_id=13385

sexta-feira, janeiro 28, 2011

Leiam aí e abram o olho!

 
ATENÇÃO:

O artigo abaixo está hoje, nos blogs sionistas dos EUA, no Twitter, por todos os cantos.
Amanhã, estará repetido nas colunas ‘jornalísticas’ do Estadão, da FSP, da revista (NÃO)Veja, da TV Globo, da Band. ABRAM O OLHO!
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Mando aí [adiante] esse artigo, porque o argumento que aí aparece é hoje o argumento do AIPAC e dos sionistas – e com certeza absoluta aparecerá amanhã no Estadão, na FSP, na revista (NÃO)Veja e nas ‘análises’ do William Waack e canalha adjunta da TV Globo.

Numa casca de noz, o argumento é o seguinte:

-- só regimes ‘amenos’ ("indecisos", como se lê abaixo) no Oriente Médio estão sendo contestados nas ruas. Os regimes REALMENTE perigosos não são Egito, Jordânia, Iêmen, Tunísia. Os regimes realmente perigosos são Síria e Irã, que dão abrigo a terroristas que querem destruir Israel e os EUA e todo o ocidente.

Assim, o AIPAC, Israel e os sionistas do planeta já estão trabalhando, hoje mesmo, para IMPEDIR que os EUA (supondo que Obama muito desejasse fazê-lo) façam qualquer movimento para ajudar a democratização das ditaduras aliadas dos EUA.

Os mesmos AIPAC, Israel e os sionistas, ao mesmo tempo, já criaram um discurso segundo o qual haveria ‘nuanças’ entre as ditaduras no Oriente Médio: ditadores aliados de Israel e dos EUA não cometem qualquer atentado grave a alguma ‘democracia’ (seriam, no máximo "indecisos"); oposição e levantes populares, nesses casos, quando haja, são insuflados por terroristas e devem ser reprimidos à bala; as mesmas balas se podem usar, também, para derrubar governos não aliados de Israel (eleitos democraticamente como o Hamás, dentre outros); a democracia absolutamente não interessa ao AIPAC, aos fundamentalistas sionistas judeus... ao AIPAC e coisa-e-tal.

A única coisa que o AIPAC, Israel e os fundamentalistas sionistas judeus querem é paralisar qualquer ação que OBAMA tente – ou que qquer um tente – na direção de democratizar todas as ditaduras.

Leiam aí e abram o olho!

Obama e a Hilária Clinton JÁ ESTÃO TOTALMENTE PARALISADOS, sem saber o que dizer... presos entre o risco de mostrar que apoiam ditadores e o risco, pra eles muito mais sério, de enfurecer o AIPAC, os judeus fundamentalistas, a grana eleitoral, a mídia pró-Israel e coisa e tal.
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Savagery and Respect28/1/2011, Benny Morris (sionista efedapê conhecido) http://nationalinterest.org/commentary/savagery-respect-4791

The felling of dictatorships and the achievement of democracy in various parts of the world are among the more attractive features of contemporary history, and the ongoing surge of people power in the Muslim Arab world—a broad, uniform swath of authoritarianism—is praiseworthy.

But it is worth looking a little more closely at where exactly street-orchestrated regime change is taking place—and where it isn't.

The regimes that have crumbled or appear to be on the verge of crumbling, are those linked to the West, and they are regimes characterized by a relatively soft authoritarianism, and are commonly perceived as weak, if not downright flabby, well past their prime. As such, and partly, no doubt, in deference to Washington's wishes (much like the shah of Iran in 1978–1979), these regimes desisted from massively using lethal weapons.

The Tunisian leaders, over many weeks of street violence, by and large refrained from unleashing live fire against the demonstrators and the Egyptian and Yemeni leaders appear to be following suit. Similarly, the so-far-small demonstrations in Jordan have essentially faced canes and tear gas, which don't really deter resolute, desperate youngsters, driven by brutal poverty and unemployment. In Tunisia, Yemen and Egypt deaths have been relatively rare.

All of this stands in stark contrast to the Iranian regime's successful suppression of last year's street rebellion, triggered by the fraudulent elections that left President Mahmoud Ahmedinejad in power. (During the past week or two, strangely, few or no journalists have made this obvious comparison.) In Iran a resolute, religiously fanatical and brutal dictatorship displayed no hesitancy and made no effort to cloak its iron fist. Rather the opposite. The police and militia thugs were given their head, and they slaughtered hundreds, savagely beat and tortured many more, and raped imprisoned male and female demonstrators. And it worked.

Perhaps this also explains why the streets of Damascus, Aleppo and Latakia have so far been completely quiet. Not a peep: most Syrians are also poor and (presumably) would like to live free. But one senses that they know that they will meet Iranian-style resolution and viciousness—as President Bashar al-Assad's father, Hafiz al-Assad, displayed against the rebels of Hama three decades ago—should they take to the streets. So they haven't.

There is probably an unpleasant lesson here. What is clear is that the West, as usual, is faring poorly among the Muslims of the Middle East, where real savagery—sadly—wins respect, and irresolution, a kick in the pants.

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A esquerda brasileira – ainda mais depois do bombardeio que vivemos durante a campanha eleitoral – teria a obrigação de criar um grande jornal (diário?) de circulação nacional. O que impede que isso aconteça?

Caros Amigos n˚ 166/2011

Uma “Brecha” no Belo Uruguai – por Rodrigo Vianna

Tive o privilégio de passar uma semana de férias no Uruguai, pouco antes do fim do ano. Como já conhecia a região de Colônia de Sacramento (cidade colonial construída pelos portugueses à beira do rio da Prata), dessa vez preferi seguir com minha mulher para o litoral a leste de Montevidéu.
Evitamos a muvuca de Punta del Leste – balneário tomado de prédios gigantescos que conseguem o milagre de tornar feia uma área originalmente bela como aquela península de Punta. Passamos batido por ali, e optamos por explorar um pouco mais outras praias da região, incluindo a instigante Chihuahua, além de La Paloma e La Pedrera. Essa última tem lindas formações rochosas à beira-mar, além de pousadas com preços razoáveis, o que a faz um ponto muito procurado pelos surfistas.
Mas, antes que nossos caros leitores pensem que me transformei em guia turístico, explico que as praias foram apenas parte do roteiro: passamos também três dias na acolhedora Montevidéu. Uma capital sem trânsito, com gente calma, que vai para a beira-rio tomar o mate no fim da tarde. Uma capital cheia de livrarias de porte médio – onde ainda existe a figura do livreiro, que sabe indicar as melhores edições de cada obra, conhece autores, sabe como agradar o leitor.
O meu foco era a obra de Mario Benedetti – recém falecido. Li ano passado A Tregua, um romance simples e estupendo. Depois disso, me apaixonei pela obra e pela figura de Benedetti – que além de escrever bem (mal comparando, uma mistura de Drummond com Rubem Braga), era um intelectual de esquerda e colaborador de publicações como Brecha.
Trouxe na mala dois livros de poesia, um outro de contos e mais um romance do notável escritor uruguaio. Trouxe também alguns exemplares de Brecha – jornal semanal que acaba de completar 25 anos!
Sim, da mesma forma como os argentinos foram capazes de criar e manter o Pagina 12, a esquerda uruguaia lançou Brecha logo que a ditadura terminou. E o jornal segue disputando manchetes, pautas e leitores com a imprensa conservadora no Uruguai. É um jornal de esquerda, mais independente, crítico, não faz concessões ao governo que hoje está nas mãos da “Frente Ampla”- de centro-esquerda.
Nas ruas do centro de Montevidéu, é fácil encontrar Brecha estampado nas bancas, lado a lado com El País e La republica (esses dois últimos, jornais mais conservadores).
Aqui no Brasil há o esforço notável de publicações como Caros Amigos e Brasil de Fato. Mas que infelizmente não tem o mesmo peso que Brecha possui no debate político uruguaio. Por que?
Muita gente acha que é preciso esquecer essa história de jornal de esquerda, e pensar na internet. De minha parte, acho que nos próximos 15 ou 20 anos, haverá espaço para os dois. A esquerda brasileira – ainda mais depois do bombardeio que vivemos durante a campanha eleitoral – teria a obrigação de criar um grande jornal (diário?) de circulação nacional. O que impede que isso aconteça?
Pensava nisso enquanto caminhava pela calle Sarandi (rua de pedestres no centro antigo de Montevidéu), rumo a mais uma livraria, a “Mas Puro Verso”(essa vale conhecer pela beleza da arquitetura, com lindos vitrais e um grande pé direito).
Quando entramos na livraria, estava quase na hora de fechar. O vendedor, simpático, tentou me agradar: olha, hoje temos lançamento de um livro, se o senhor quiser pode ficar mais um pouco e acompanhar. Achei graça e já ia me retirando quando vi sobre o balcão qual obra seria lançada: a edição comemorativa dos 25 anos de Brecha – com uma coletânea dos melhores textos do jornal.
Impossível não ficar para acompanhar a palestra de Gerardo Caetano, que explicou o papel de Brecha nesse quarto de século de Uruguai democrático.
Que minha mulher não me ouça, mas confesso: tão agradável quanto as praias que visitamos foi essa bela coincidência – saí a procurar Benedetti, e acabei encontrando Brecha. No fundo, no fundo, deu quase na mesma!
Quem quiser conhecer mais sobre Brecha pode ir até o sítio do jornal – http://www.brecha.com.uy/.

Rodrigo Vianna é jornalista e responsável pelo blog Escrevinhador www.rodrigovianna.com.br