sábado, julho 31, 2010

Da série "QUEM PRECISA DO JORNALISMO-QUE-HÁ?" (A capa da Time que está nas bancas hoje, lá)

A capa da revista Time (nas bancas hoje)
“Não podemos sair do Afeganistão”
07/29/2010, Peter Hart, FAIR – Fairness and Accuracy in Reporting
http://www.fair.org/blog/2010/07/29/time-magazine-we-cannot-leave-afghanistan/
Caso você tenha pensado que os documentos vazados pela página WikiLeaks poderiam mudar tudo, saiba: a revista Time que chega às bancas hoje mostra, na capa, uma mulher afegã desfigurada (sem nariz) e a manchete “O que acontece se sairmos do Afeganistão.”
O subtexto parece ser que, sem a presença do exército dos EUA, os Talibã cometerão atrocidades inomináveis. Pode-se ver a capa e parte da matéria em http://www.time.com/time/world/article/0,8599,2007238,00.html.
Algo me diz que ninguém, na reunião de pauta sugeriu capa com “O que acontece se nós ficarmos no Afeganistão”, matéria que poderia ser ilustrada com o cadáver de uma criança afegã morta em ataque aéreo ou invasão da casa da família.
O editor da revista Time Rick Stengel explica a decisão editorial de publicar aquela foto. Diz que a mulher sem nariz “posou para a foto e disse que desejava que o mundo soubesse o que acontecerá às mulheres afegãs, muitas das quais nasceram depois do governo dos Talibã, se os Talibã vencerem”.
Na matéria, escreve Stengel, trata-se de “o quanto as mulheres afegãs prezam as liberdades que conquistaram depois da derrota dos Talibã.”
Stengel manifesta também muita preocupação pelo efeito que a capa horrenda pode ter numa criança, mas decidiu que, afinal, acontecem coisas horríveis às pessoas, e parte do trabalho dos jornalistas é enfrentá-las e explicá-las:
“No fim, senti que a imagem é uma janela para a realidade do que está acontecendo – e pode acontecer – numa guerra que afeta e envolve nós todos. Prefiro confrontar os leitores com o modo como os Talibã tratam as mulheres, a ignorar o tema. Prefiro que as pessoas conheçam essa realidade, quando pensarem sobre o que os EUA e seus aliados devem fazer no Afeganistão.”
Claro. O que a revista Time mostra é apenas parte da “realidade que está acontecendo” no Afeganistão.
Stengel observa que “o vazamento muito noticiado de documentos secretos pela página WikiLeaks deformou o debate sobre a guerra”. E que “a revista Time está tentando contribuir para aquele debate. Não somos nem a favor nem contra o esforço de guerra dos EUA.”
Stengel escreve:
“Políticos e cidadãos puseram-se a procurar informação sobre a guerra e a formar opinião. Nosso trabalho é oferecer o contexto e o distanciamento necessários para que o público possa pensar sobre uma das questões de política externa mais difíceis de nosso tempo. O que se vê naquelas imagens não se encontra nos 91 mil documentos: a combinação de verdade emocional e insight a propósito de como se vive naquela terra difícil e as conseqüências das decisões importantes que sejam tomadas.”
A ideia de que o modo de responder aos documentos divulgados por WikiLeaks seria destacar as atrocidades cometidas pelos Talibã é também o que a correspondente da CBS Lara Logan recomenda. Também é propaganda pró-guerra.