quinta-feira, agosto 30, 2007






Tremenda babaquice. Tudo começou com a entrevista do FHC à revista Piauí, escrita por João Moreira Salles. Eu comprei a revista, por acaso, antes de todo nhenhenhem. Também impliquei com a entrevista, mas depois acabei gostando. É divertida. Humaniza o ex-presidente. Faz-nos ver que ele é ainda mais medíocre do que imaginávamos. Suas afirmações são sempre banais. Até seu pessimismo é tacanho, mal articulado.


Acontece que o próprio Salles ficou sob os holofotes dias depois ao dar entrevista à Folha, expressando o mesmo pessimismo. Sua opinião é similar a de FHC: os dois afirmam que o país acabou, que ninguém se engane-é-isso-que-está-aí, etc.


Repito, tremenda babaquice. A mediocridade não é coletiva, é individual. É coisa deles. O Brasil vive um momento de grande renascimento cultural. O cinema renasceu há poucos anos. A música brasileira pode ter tido melhores momentos no passado, mas continua muito forte e mesmo o próprio passado musical ainda precisa ser melhor conhecido no Brasil e no mundo. A literatura brasileira também vem passando por um momento interessante de aumento de produção. Podemos ter menos gênios do porte de Guimarães Rosa, Raduan Nassar ou Graciliano, mas existe mais gente escrevendo hoje do que no passado e, quiçá, no meio da muvuca pode estar surgindo coisa maior que o Grande Sertão Veredas. Isso para não falar em Marcia Denser e Marcelo Mirisola.


Nas artes plásticas, o Brasil também vem, pela primeira vez, revelando nomes com estéticas originais. Claro que você não vai topar com eles nos corredores da Daslu, no saguão do Instituto FHC ou bebendo cerveja com banqueiros, mas eles estão aí. O FHC é um boçal mesmo, para ver mais graça nessas cidadezinhas americanas metidas a besta, onde a única emoção é um psicopata periódico dizimando inocentes em colégios e universidades, do que em nosso maravilhoso caos antropológico e seus luxuosos solos de pandeiro. Enquanto intelectualóides como FHC não aprenderem a curtir um Luis Melodia ou qualquer outro exemplo de arte contemporânea, que fiquem dando aulinhas nos Estados Unidos. Não fazem falta nenhuma por essas plagas. Que continuem a ludibriar trouxas ianques e a parasitar o mundinho acadêmico dos ex-presidentes.


Calem a boca, seus merdas! Assistam esse vídeo aqui, dois repentistas, dois artistas populares numa praça de uma capital brasileira, e me digam se o Brasil "já acabou"! Me digam se isso existe em algum outro lugar do mundo! Aproveitem e vejam também esse aqui, engraçadíssimo.


É ridículo afirmar, perante uma população de 200 milhões de habitantes, que o país não tem mais futuro. Sabe-se lá o que um garoto desconhecido de 20 anos está fazendo no interior de Minas Gerais ou Goiás? Ou mesmo do que escritor fulano de tal, 32 anos, carioca, será capaz de produzir daqui a 10 anos?


Vão agourar no raio que o parta, seus urubus! Pessimismo é bom quando elegante, elaborado, quando tem um sentido existencial, e quando não se limita a ser um pessimismo "patriótico", e sim um sentimento negativo em relação a toda humanidade. Conheci pessoas assim muito interessantes. Outro dia mesmo estava conversando com um cara, de seus 50 anos, que tinha uma visão de mundo bastante negativa, embora fosse uma pessoa alegre e expansiva. Não gosta de Lula, gosta menos de FHC e analisa a existência sempre através de um prisma sombrio. A gente tentou fazê-lo ver as coisas sob uma perspectiva mais aberta. Não é bem assim, as coisas estão melhorando, dissemos. Pode ser que estejamos errados. Mas aí entra uma questão pessoal. Depois entendi melhor o ponto-de-vista do cara. Ele foi criado no Rio de Janeiro paradisíaco dos anos 50 e 60. As praias da Baía de Guanabara eram transparentes de tão limpas. Não havia quase criminalidade nas ruas. Por ser a capital federal, o Rio tinha dinheiro, um índice de desemprego baixíssimo e as melhores escolas públicas do país. Aliás, um certo pendor esquerdista no Rio tem origem nessa escola pública de qualidade, além do mar de bons empregos públicos que havia no Estado. Em São Paulo, sempre foi o contrário. Tinham o dinheiro mas a capital era o Rio. Os empregos públicos federais ficavam no Rio. São Paulo sentia-se levando o Brasil nas costas, enquanto o Rio sentia-se levado nas costas. São Paulo era a capital do trabalho. O Rio era a capital da cultura e da vadiagem. Os paulistas ricos matriculavam seus filhos em tradicionais colégios e universidades particulares. Os cariocas matriculavam seus guris no Pedro II e na UFRJ. Daí surgiram os conservadores retrógrados de Sâo Paulo e os esquerdóides birutas do Rio. Assim surgiram liberais inteligentes e anti-estatistas em São Paulo, e intelectuais socio-democratas e estatistas no Rio.


Desviei-me do assunto. Falava sobre o pessimismo. Pois é. O pessimismo de FHC e Salles é típico do paulista rico de hoje. O poder financeiro e político de São Paulo começa a declinar em proporção ao de outros estados e regiões do país. O Sul tem voltado a ficar forte, politica e culturalmente, apesar da crise nas fábricas de sapato. O Rio descobriu muito petróleo e está fazendo caixa. O Nordeste e o Norte vêm crescendo a ritmo chinês e Minas Gerais vem expandindo febrilmente seu parque agrícola e industrial. São Paulo, por outro lado, tornou-se, sem sombra de dúvida, líder em produção cultural, com recorde de lançamento de livros, peças de teatro, festivais de cinema, etc. Não teria razão para ser pessimista.


Lembremos que o Brasil dos anos 50, que Moreira Salles e FHC relembram com tanta nostalgia, tinha mais de 65% de analfabetos absolutos. Gente que não sabia escrever o próprio nome. Nos anos 50, o nordeste sofria secas que desvastaram milhões de vidas. As pequenas cidades não tinham escolas. Mesmo o hospital público, que hoje é motivo de tanto protesto, era somente uma promessa em vastas regiões do país. Esse era o país "com futuro"? A verdade é que era falsa a promessa brasileira. Éramos um país com milhões de famílias passando fome. Não éramos promessa nenhuma. A promessa era um engodo capitalista para vender algumas reformas liberais para a sociedade brasileira. Se deixassem o governo João Goulart seguir a tendência que as necessidades do país exigiam, a saber, inclinar à esquerda e investir no social, na educação e em projetos desenvolvimentistas e democráticos, talvez poderíamos nos dar ao luxo de termos governos conservadores hoje muito competentes...


Hoje, o analfabetismo absoluto caiu para menos de 10%. A luta atual é contra o analfabetismo funcional, que é incrivelmente alto, mais que 60%. A luta contra a miséria continua. A miséria degrada o ser humano e obstrui economica e moralmente qualquer chance de desenvolvimento. Pesquisas científicas provaram que programas sociais como o Bolsa Família ativam economias locais e geram empregos, aumentando, portanto, a arrecadação fiscal. De forma que é um programa quase auto-sustentável. Não implica em tanto gasto fiscal como setores da imprensa deixam transparecer. E mesmo se implicasse, é um gasto humano, ético, necessário, uma dívida social a ser paga àqueles cujos ancestrais construiram o país com sangue e suor.


Também gosto de ser pessimista às vezes. Sou fã da escola de Frankfurt e dos existencialistas franceses. Gosto da literatura pessimista em geral. Morte na alma e Idade da Razão, do Sartre, são romances impregnados de pessimismo, solidão, desespero. A obra de Kafka também sangra pessimismo. E tantos outros. Talvez o caráter do intelectual brasileiro, sob a influência do pessimismo europeu, tenha seu modelo mais exemplar no Dom Casmurro, de Machado de Assis. Assim, seríamos todos um chifrudos, traídos pela energia e exuberância de nosso amigo Tio Sam?


No entanto, é preciso distinguir pessimismo de péla-saquismo. Péla-saco é o babaca pessimista por razões pessoais, ou mesmo partidárias. FHC, por exemplo, é pessimista (péla-saco) porque seu partido foi derrotado duas vezes, consecutivamente, nas eleições presidenciais e perdeu espaço, em todas as esferas políticas, para seus adversários. O Salles é pessimista porque é um milionário filho de banqueiro, e todo filho de banqueiro, Freud explica, é pessimista. Deve ser chatíssimo não sofrer dilemas excruciantes como escolhar entre trabalhar numa coisa que não gosta e ter algum dinheiro ou cumprir sua vocação e ficar duro. Horrível não ter a oportunidade de ouvir sua mulher reclamar diariamente de falta de dinheiro. Desesperador não oferecer a oportunidade aos filhos de passarem fome e, assim, tornarem-se pessoas mais fortes.


Dois documentários recentes que assisti sobre a maneira de pensar da pessoas muito humildes, mostram exatamente o contrário: um otimismo forte, viril, calmo, em relação ao futuro. Lembro as palavras do engraxate carioca de 70 anos de idade: "quem tem cabeça tá bem, ééé, quem tem cabeça tá bem". Ou seja, o engraxate tem mais fé no capitalismo e na superação do homem, através de seus próprios talentos, do que um filho de banqueiro.


Talvez o termo mais apropriado para eles seja mesmo péla-saco, gíria carioca para designar o fulano pentelho, chato, sem consciência do ridículo, que pretende que o mundo páre de girar para escutar atentamente seus resmungos. Que confunde sua mediocridade pessoal com a de seu país...



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